Ó, em resumo, adiantando: o povo do Rio de Janeiro vai pagar um dindin extra pra poder cagar agora. É isso e mil desculpas pela escatologia escrita assim sem floreio, com essa bruteza, mas é que a situação, de tão bizarra, pede mesmo certa grosseria.

Mas é rigorosamente isso: se você mora na região metropolitana do Rio provavelmente recebeu esses dias em sua caixa postal essa singela missiva da atual companhia de águas sobre a vindoura cobrança por esse serviço pouco lembrado que é o de tratar os dejetos saídos de dentro de cada um de nós. E que vão pra alguma lugar misterioso que a maioria da população não tem a menor ideia de onde seja.

Traduzindo o recado da empresa: pague mais uma pratinha para cagar aqui nesse glorioso pedaço de país, além daquela que você já paga pela água que chega em sua torneira. Não precisa entender, apenas pague.

Falando assim, parece até que é pra rir, mas o papo é sério, muito sério. E é o óbvio: você pega um dinheiro do BNDES e compra uma empresa de água E ESGOTO. Mas que só cobra pela água… Eaí? Você não vai cobrar pelo esgoto? Como assim? Isso é capitalismo ou é o quê? Daí, meu caro, receba: a conta chegou.

E olha que os caras compraram por um preço bem abaixo do que valia a parada, já que a empresa, a Cedae, completa, com todos os problemas, era uma empresa superavitária, que ainda botava uma grana forte no caixa do Estado.

E, olha que a gente avisou de todas as formas possíveis e muito se lutou para que não fosse concretizado esse golpe pesado contra a população do Rio… Mas muita gente minimizou, muita gente se vendeu, muita gente não levou fé. Muuito dinheiro rolou pra compra de deputado. Muita propaganda pra tentar convencer de que essa transação daria bom pra população, algo completamente sem sentido, pedra cantada de que daria merda…

Em nenhum lugar do mundo a privatização garantiu a universalização do serviço de saneamento básico, que é o acesso à água potável e ao esgotamento sanitário. Nenhum lugar. Desde a Roma antiga, passando pelo processo de civilização europeia, sempre foi o poder público que conseguiu levar a população a esse nível de saúde e bem-estar, de maturidade existencial em termos de sociedade. A propósito, vários lugares onde os serviços foram privatizados ao som do canto de sereia neoliberal, todos pediram a revogação das concessões e voltaram esses serviços à mão do Estado.

Só mesmo uma onda irracional como a que nos acometeu nos últimos anos para poder permitir um crime como esse da privatização da renda das concessionárias estatais do país, prevista pelo criminoso marco legal do Saneamento, aprovado no Congresso no governo temer. E veja que tentaram várias vezes nos últimos anos.

E no caso do Rio de Janeiro, essa situação ganha contornos ainda mais drásticos, dramáticos, de consequências nefastas de verdade, que podem nos atrasar em mais algumas décadas de processo civilizatório.

A lembrar que nos governos tucanos, FHC e Marcelo Alencar, o vandalismo neoliberal privatizou praticamente todos os serviços públicos do Estado – o que explica, aliás, boa parte da merda em que vivemos desde essa época. Banco estadual, metrô, trens, barcas, o arrastão insano só não conseguiu levar de roldão justamente a Cedae, a companhia de água e esgoto, cujos funcionários empreenderam lutas absolutamente heroicas de resistência nessas quase três décadas. Só capituladas pela onda bolsonarista ultraliberal com witzel e castro de frente, com muito dinheiro e poder de coerção.

A despeito de gestões temerárias, de ações deliberadas pra que a Companhia fosse sucateada, a enorme propaganda neoliberal dos meios de comunicação sócios do capital financeiro, a Cedae resistiu, conseguindo manter um padrão técnico de alto nível no serviço de água e esgoto, incluindo a manutenção de um trabalho louvável em levar água para as favelas e rincões do Estado. Construiu ao longo de décadas algumas das soluções de engenharia referências no mundo, como o sistema Guandu e a elevatória de Lameirão, pra citar algumas.

Mas não conseguiu resistir mais a essa poderosa onda sem o apoio da sociedade em massa.

E é aquilo, acabou rolando o padrão hipócrita do pensamento privatista do país, insuflado pelos meios de comunicação e essa filosofia rasteira neoliberal: privatizaram a máquina de cobrança, o filé de onde vem a prata, e deixaram para o Estado o ônus do investimento e do grosso do serviço. O velho padrão escroto dos liberais do terceiro mundo. Assim é mole né…

E ainda tem o que é o pior, que é o que dá mais raiva: o dinheiro da privatização você acha que vai pra resolver o saneamento no Estado? Claro que não… Desde o início do ano, o governo estadual tem se reunido com prefeitos do Estado, chamando na chincha, rateando essa prata, sob o compromisso de “estar junto” nesse momento singular, que é justamente um processo eleitoral tenso e decisivo para a história do país.

Você vai pagar mais pra poder cagar sem problemas. Em nome de uma privatização que não vai resolver a questão do saneamento no Rio de Janeiro e que, pra piorar, deve ajudar ao processo de reeleição de um governo perpetuador desse carrêgo pesado que o Estado vem sofrendo há décadas.

Brabo.

[heraldo hb – pitacolândia – agosto de 2022]


heraldo hb

. Animador cultural, escritor e produtor audiovisual nascido no século XX. .

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