Do Karatê como inclusão social ao futuro sonho olímpico
Em 2016, o Comitê Olímpico Internacional (COI) reconheceu o Karatê como esporte olímpico e a modalidade terá sua estreia em 2021, em Tóquio. Atletas brasileiros como Vinícius Figueira, Valéria Kumizaki e Douglas Brose que se destacaram ganhando medalhas nos jogos pan-americanos de Peru em 2019 seguem se preparando para o torneio classificatório às Olimpíadas. Mas para o Karatê brasileiro a preparação não começa apenas nos torneios classificatórios; existe uma longa linha a ser percorrida por toda uma estrutura de formação de atletas funcionando como meios de inclusão social. Essa será a questão a ser discutida no texto.
Nesta longa caminhada tudo começa pelos projetos sociais esportivos, dos quais dentre muitos existentes o Projeto Leão de Judá na Academia de Artes Marciais Tigres Guerreiros, no bairro Jardim Leal, em Duque de Caxias, explica muita coisa. Conversei com o Sensei Alexandre Terceiro Dan, que ministra as aulas deste projeto e tem mais de 36 anos dentro Karatê. Nascido e criado no Morro do Sapo (Complexo da Mangueirinha), cujo local é o destino da maioria dos alunos do projeto, Sensei Alexandre sabe bem da realidade dos jovens da favela, por isso vê nos preceitos do Karatê (Dojo Kun) todos os elementos para não somente a formação de um bom atleta, mas também de um cidadão. “Claro que almejamos o melhor dentro do Karatê ,como campeões nacionais e mundiais, mas independente dessas coisas o Karatê é uma escola de formação de caráter como toda arte marcial oriental,” comenta o Sensei, sabendo de todos os empecilhos locais que envolvem a vida de muitos de seus alunos como a questão familiar financeira, segurança e todo o processo de deslocamento até as aulas do projeto.
Em toda esta diversidade os Preceitos do Karatê Dojo Kun (esforçar-se para formação de caráter, fidelidade ao verdadeiro caminho da razão, criar o intuito de esforço, respeitar acima de tudo e conter o espírito de agressão), serão fundamentais para a orientação e força de vontade para lidar com estas barreiras. ”Eu vejo que o esporte é abandonado, isso é notório no Brasil inteiro. Deveria ter um investimento maior no esporte, cultura e educação, isso é o alicerce. Se fosse investido mais teríamos mais gente bem, mas não temos ajuda. Nessa academia eu cobro porque tenho que pagar o aluguel da academia mas não dá pra dizer que vivo disso, faço isso porque eu gosto. Muitas das vezes já pensei em desistir mas não desisti por causa das crianças, é muito difícil. Mesmo fora do Projeto social tem gente que paga mas dificuldades como o pai perder o emprego acontece, porém mesmo assim a gente consegue fazer aquela ajuda para que continuem treinando”, mais uma vez o Sensei mostrando todas as dificuldades de como é manter o projeto sem a atuação da Secretaria do Esporte. Sensei Alexandre também fala da carência do Karatê mais acessível no município. “Nós do Centro de Duque de Caxias não temos pólos esportivos, Xerém e Santa Cruz da Serra tem, não temos bolsa atleta e também seria muito importante ter Karatê dentro das escolas, assim como outras modalidades de artes marciais. Deveriam ter pólos esportivos em todas as favelas, é uma coisa tão simples de ser articulada mas os vereadores que tem o dever de cobrar as secretarias municipais a tornam difícil, falta vontade de todo um poder público”.
Outros integrantes do Projeto Leão de Judá são o Pastor Jairo, que além de aluno também é do Morro do Sapo e grande amigo do Sensei Alexandre, e Sensei Erick. Pastor Jairo também fala da falta de desconhecimento do projeto na visão política. ”Fico triste de vê-los tão dedicados mas não ver reconhecimento de orgão nenhum, tanto federal como municipal, são pessoas que estão formando caráter, mas infelizmente não reparam ou simplesmente ignoram essa questão. Temos a Secretaria do Esporte, acho que todo o esportista deveria saber qual o orçamento que tem para o esporte, para saber como lidar”.
O Projeto Leão de Judá é um entre diversos projetos sociais existentes que lutam por sobrevivência meio a invisibilidade pública, mesmo assim gerando talentos, Como a aluna Keyla, de 18 anos, de uma versatilidade incrível, que além de excelente atleta no Karatê, é uma ótima jogadora de futebol e de uma ótima visão coletiva do projeto.
Contudo este Projeto do bairro Jardim Leal é um espelho de muitos outros por todo o Brasil que sobrevivem na raça e pelo ideal de fazer algo pela sua região. Pensar em medalhas futuras no Karatê olímpico é fazer o poder público se voltar para a modalidade, investir em projetos locais, reaproveitar espaços públicos inutilizáveis com projetos gratuitos de karatê que contemplem todas as faixas etárias (aliás isso diminuiria o número de pessoas com doenças provenientes do sedentarismo).
Este processo a nível estrutural no esporte poderemos pensar em algo melhor do que a 19 medalhas olímpicas em 2016 aqui no Rio de Janeiro, sendo 5 em esportes de artes marciais. Por medidas que transformem nosso país não somente no do futebol mas também como o país do esporte.