60 anos da Lira de Ouro, uma celebração da Arte e da Cultura – e muita história pra contar…
Domingo tem uma festa cultural das brabas pra comemorar em grande estilo os sessenta anos da Sociedade Musical e Artística Lira de Ouro, um dos principais espaços culturais do Rio de Janeiro.
Tanta coisa pra dizer dessa instituição, tanta gente pra lembrar, tanta história curiosa; como todo grupamento humano, tanta briga também; tanta alegria e tanta celebração da Arte e da Cultura que nem dá pra resumir direito.
Até o início desse século não havia ainda o teatro municipal Raul Cortez e Caxias carecia muito de equipamentos culturais, como até hoje é assim; ainda há muito poucas opções. E havia um desejo por grande parte da classe artística de ter um espaço cultural no Centro, pelo menos no Centro, além do teatro Armando Mello, onde pudesse abrigar eventos ligados à música, poesia, artes plásticas e afins.
A Lira de Ouro originalmente era uma banda musical, fundada na década de 50, que se apresentava nos eventos da cidade e a representava em eventos fora; também formava músicos e teve grandes momentos de glória.
Mas depois de mais de uma década e meia de declínio, a banda tinha praticamente acabado nos anos 1990 e a diretoria contava com poucos membros, incluindo dois fundadores vivos, Seu Acácio de Araújo e Seu Ramiro. E o espaço estava literalmente caindo aos pedaços, servindo de estacionamento, muito mal conservado, e com um acúmulo impressionante de impostos atrasados.
Havia rumores que alguns empresários em conluio político iriam “tomar” o imóvel dos velhinhos e um grupo de amigos ligados à imprensa e à Cultura propuseram à diretoria um acordo de cuidar do espaço, sanar as dívidas, revitalizar a banda em troca de pôr o espaço à serviço da Arte e da Cultura na cidade de uma forma aberta, um centro cultural de fato. Eles toparam e daí um lindo mutirão de pessoas na cidade, das mais variadas áreas, começaram a fazer eventos culturais e almoços comunitários pra levantar fundos, negociar as dívidas, fazer obras, organizar finanças, reformar estatuto e toda parte burocrática.
De 2001 pra 2002, começaram atividades de oficinas e um baile charme que era considerado pelos especialistas do ramo um dos cinco melhores do Rio. E a capoeira com o grande Mestre Monge, que está lá até hoje. Em 2003, um amigo, Luiz Tavares, organizou o Umioquiá, um bar com música ao vivo e atrações culturais de qualidade que começou a atrair ainda mais gente, e eu comecei um show musical lá, Quarta Básica, que durou seis anos ininterruptos juntando um público bem maneiro e um rol de músicos da pesada.
E em 2004, levamos as sessões regulares do cineclube Mate Com Angu pra lá e aí foi uma faísca acesa na palha seca. E em 2007, o reconhecimento como um Ponto de Cultura pelo MinC, no lamentavelmente falecido Programa Cultura Viva.
Nesse tempo aí algumas milhares de pessoas já passaram pela Lira, sem exagero – como público, como aluno, como artista ou como voluntário. Aulas de música, aulas de dança de salão, de dança de rua, de teatro. Espaço de festas bombadas da cidade. Casa de rock com shows regulares e muitos memoráveis. Casa do samba, da capoeira, do charme, firmando a presença afro que é a principal marca da Baixada. Terreiro do cineclube Mate Com Angu. Parceiragem com várias iniciativas importantes na seara cultural da Baixada e da cidade do Rio. Feijoadas memoráveis. Oficinas de audiovisual e cultura digital. Um dos principais pontos de referência de Caxias para o resto do país que não tem a ver com violência e abandono. Espaço plural que já abrigou show de Noca da Portela à banda Confronto, passando por KL Jay, Mauro Diniz, Gangrena Gasosa e MV Bill. Fora as várias noites com a prataria musical da região, do virtuosismo de Paulinho Balthazar e Serginho Meireles, passando pelo noise alucinado, pelo rap do Slow DaBF e do P,10 e pela Velha Guarda da Grande Rio.
Tenho orgulho de estar em muitos momentos dessa construção com um galera grande e guerreira. E de ter conseguido dar uma moral para o Seu Acácio ainda em vida. Grande ser humano, grande músico e inspirador pra coisas da Cultura – que andam num tempo diferente, um tempo longe dos imediatismos da política, das vaidades e da roda dentada da máquina de moer gente.
Viva a Cultura, viva Seu Acácio e a Lira de Ouro!