Rancho comprado por Gonzagão em Santa Cruz da Serra, na Baixada, hoje é habitado pelas sobrinhas do músico

Propriedade é o que restou de um sítio comprado pelo Rei do Baião no fim da década de 1940, para servir de morada para os pais
Por Marcos Nunes, para o Jornal Extra — Duque de Caxias
Num pedacinho de chão maior do que um quarteirão, onde ficam cinco residências cercadas por poucas árvores frutíferas, o próximo 13 de dezembro, Dia Nacional do Forró e data em que o cantor Luiz Gonzaga completaria 111 anos, vai ter gostinho de saudade. A propriedade, chamada de Exuzinho da Baixada Fluminense (referência a Exu, município pernambucano onde o cantor nasceu), é o que restou de um sítio comprado pelo Rei do Baião no fim da década de 1940, em Santa Cruz da Serra, em Duque de Caxias, para servir como moradia de seus pais, Januário José dos Santos e Ana Batista de Jesus, e de outros parentes que, no “Sul maravilha”, não conseguiam ficar longe da roça.
Pelo menos cinco famílias ligadas ao cantor, que morreu em agosto de 1989, ainda moram lá.
— O tio Gonzaga queria ver todo mundo perto para que, quando visitassem um, visitassem todos. Gostava de reunir. A primeira a morar aqui foi uma prima chamada Sofia. Tinha só um casebre, a trilha e muito mato. Estava bem no início ainda. Ela ficou pouco tempo e foi embora. Depois, em 1955, veio minha mãe, Raimunda Januário. Logo a seguir, veio a tia Maria do Socorro Januário (duas das irmãs de Luiz Gonzaga) e, em 1957, o tio trouxe os pais — lembra Ana Lídia Maciel, de 70 anos, uma das sobrinhas do Rei do Baião que ainda moram na propriedade.
Segundo a família, Luiz Gonzaga também recebeu no sítio artistas como Gilberto Gil e o produtor e gaitista Rildo Hora, que relembra:
— Fui lá (no sítio) algumas vezes. Gonzagão era meu compadre. Eu queria que minha filha (Patrícia Hora) visse o padrinho. Teve um dia que foi muito bonito. Chegamos lá e ele tinha ido fazer um show em São Paulo. Ele veio de carro, estava sem dormir. Ao chegar, disse: “Vou fazer um show para minha afilhada”. Pegou a sanfona e cantou umas quatro músicas para ela.
Ensaios e locação de filme
O sítio teve presença intensa na rotina de Gonzagão: foi palco de ensaios de shows, serviu de locação para um filme, além de ter sido ponto de encontro de parentes para banquetes e novenas.
A propriedade conhecida como Rancho dos Gonzaga ainda existe. Porém, não tem mais a extensa área verde de outrora, que pode ser vista em cenas do filme “Sem essa, Aranha” (1970). No lugar, foram erguidos muros e construções. Ainda persistem, no entanto, árvores como mamoeiro, goiabeira e pés de laranja e de acerola. A cobertura feita numa área onde aconteciam os churrascos permanece intacta. No local, há um pôster com a última foto feita para um disco do artista, o LP “Vou te matar de cheiro”, lançado em 1989.
A produtora Nina Severina, de 67 anos, sobrinha do cantor, passou boa parte da sua vida morando no local e conta que os ensaios acabavam em comilança:
— Às vezes, o tio Gonzaga vinha até durante a semana com músicos e produtores para ensaiar. Era uma farra grande. O tio gostava de comida farta. Durante os ensaios, tinha sempre comida boa. Ele adorava moqueca e pirão.
O sítio também foi ponto de encontro da família para viagens. Numa delas, entre 1968 e 1973, Luiz Gonzaga fez questão de levar os parentes dali para o aniversário da cidade de Exu. Entre os que estiveram na propriedade de Santa Cruz da Serra, segundo parentes, estava Gonzaguinha, seu filho.
— O tio Luiz Gonzaga alugou um ônibus e seis carros para levar todo mundo. Acho que foi a primeira vez que o Gonzaguinha veio aqui. Foi uma festa de nove dias — diz Ana Lídia.
Homem de fé
Luiz Gonzaga é descrito por parentes e pessoas que frequentavam o sítio como um homem de fé. E generoso, já que teria comprado lotes de terra para distribuir entre seus familiares.
— Quando ele ficou doente, muito perto de falecer, fui lá (no sítio) numa das novenas. Fizeram uma reza. Foi emocionante— lembra Rildo Hora.
De acordo com parentes, era também um homem centralizador. Quando estava no sítio, fazia questão de acompanhar as adolescentes da casa em festas para saber se o ambiente era bom. Rapazes que tentavam se aproximar das sobrinhas também passavam por uma espécie de sabatina feita pelo sanfoneiro.
— Ele perguntava quem era a família e se o rapaz trabalhava ou não. Lembro que o tio não gostava que a gente usasse roupa curta ou apertada. Todo mundo rezava na cartilha dele — revela Nina.
Gonzagão era o caçula de uma família de dez irmãos. Deixou a cidade de Exu em 1930, quando tinha 18 anos, após receber ameaças de um homem rico que não queria o envolvimento do rapaz com sua filha. Após entrar para o Exército, viajou por vários estados do Brasil. Depois de nove anos na caserna, deu baixa no Rio de Janeiro em 1939, onde alcançou o sucesso no início dos anos 40.
https://extra.globo.com/rio/noticia/2023/11/rancho-comprado-por-gonzagao-em-santa-cruz-da-serra-na-baixada-hoje-e-habitado-pelas-sobrinhas-do-musico.ghtml