Sueli Costa - Eldemar de Souza
Sueli Costa - Eldemar de Souza
Lembro-me como se fosse ontem – e lá se vão quase seis décadas. Eu estava no apê de um amigo, Antônio Lemos Venturelli, próximo ao Bairro de Fátima. Íamos a uma festa, e enquanto ele se aprontava no quarto, eu na sala acionava o seletor de canais da TV, quando parei boquiaberto no antigo canal 9 (Continental), onde uma jovem cantava lindamente a Canção do Amanhecer (Edu e Vinícius). Terminada a canção terminou o programa, que fiquei sabendo chamar-se O Mundo é Nosso, e que ia ao ar todos os sábados, naqueles mesmos horário e canal.
Nem preciso dizer que passei a assistir ao programa toda semana, com grande interesse. A apresentação era de Paulo Graça Mello e contava com a participação do irmão deste, Guto, Mariozinho Rocha, o casal de irmãos Fernando e Gracinha Leporace, Junaldo (um cantor da noite), Lucinha e convidados. Todos ótimos músicos e tão jovens quanto eu. Numa das apresentações apareceu por lá um baiano de Bom Jesus da Lapa, de nome Guttemberg Guarabira, que levou composição sua, Senhora das Dores. Ah, sim, este eu já conhecia. De onde? Da Feira Nacional de Música Brasileira, que havia rolado no Teatro Opinião, em 1965.
Da Feira eu preciso falar. Foi um grande acontecimento, que me fez deslocar de Duque de Caxias para Copacabana, em vários dias, a fim de conferir o que os meus contemporâneos estavam fazendo musicalmente, Brasil afora. Foi lá que vi e ouvi pela primeira vez gente que, pouco depois, estaria tocando no rádio. Lembro-me dos cariocas Luiz Carlos Sá e Sidney Miller, além dos baianos Fernando Lona e Guttemberg Guarabira. Mas ainda era um tempo em que mulheres compositoras eram raridades. Portanto, a presença de duas delas na Feira me ficou na lembrança: Luli e Sueli Costa, com suas apresentações solo.
Quando eu soube que o núcleo do programa O Mundo é Nosso se reunia num bar no Leme (Rua Gustavo Sampaio), passei a frequentar o pedaço, todas as sextas-feiras. Logo na minha primeira visita, conheci um cara muito bom de papo, que fiquei sabendo na sequência tratar-se de João Medeiros Filho, o qual, soube depois, era um tremendo poeta. Uma de suas obras era uma belíssima marcha-rancho, Por Exemplo, Você, cuja melodia levava a assinatura da menina Sueli, que tanto me impressionara na Feira de Música Brasileira e que vez por outra marcava presença no local.
Logo, logo a galera ganhou o nome de Grupo Manifesto e passou a chamar a atenção de artistas renomados. Nara Leão, como não poderia deixar de ser, saiu na frente: foi a primeira a gravar música de alguém do grupo. A canção escolhida foi justamente Por Exemplo, Você, de Sueli Costa e João Medeiros Filho. Em seguida, Elis Regina gravou Manifesto (Guto Graça Mello e Mariozinho Rocha) e Nara registrou Cabra Macho, dos mesmos autores.
O Manifesto, enquanto grupo, teve pouca duração. Mesmo assim, chegou a gravar dois LPs e ganhar o II Festival Internacional da Canção (1967), com a insípida Margarida, que perdeu em beleza e popularidade para Travessia (Milton Nascimento e Fernando Brandt), classificada em segundo lugar. Apesar de um início tão promissor, a galera não seguiu nos alimentando com obras tão significativas. Mariozinho Rocha virou jurado do programa Flávio Cavalcante (TV Tupi) e, posteriormente, diretor musical de novelas da Globo – sempre em substituição ao Nelson Motta; Guto Graça Mello virou uma espécie de Sullivan & Massadas solo e Guarabira tentou carreira também solo, mas foi com Sá (e Rodrix) que se manteve de pé. Gracinha Leporace vive hoje nos Estados Unidos, como a senhora Sérgio Mendes.
Enquanto isso, duas mulheres remanescentes da Feira permaneceram firmes naquilo que se propunham a fazer: compor, e compor música de qualidade: Luli e Sueli Costa. A primeira, juntou-se a Lucinha (ex-Manifesto) e produziram uma obra experimental sólida, registrada em CDs independentes. E Sueli deixou bem claro a que veio, com clássicos como Coração Ateu, Dentro de Mim Mora um Anjo (parceria com Abel Silva), Face a Face (com Cacaso), Encouraçado (Tite de Lemos) e tantas outras canções inesquecíveis.
Hoje, mal havia amanhecido o dia, recebi a má-notícia: Sueli Costa atravessou a fronteira. Foi sem que eu tivesse realizado um velho projeto de ter uma letra musicada por ela. Desejo muita paz para a menina Sueli, cuja carreira musical acompanhei desde aquela Feira de Música Brasileira, naquele distante 1965.

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