sobre o dia que crianças tentaram me assaltar…
muito se tem falado nos últimos dias sobre a redução da maioridade penal no brasil. resolvi falar sobre o assunto também. e vou começar contando uma história:
“num dia de semana pela manhã, por volta das 10h, Fabi e eu íamos da leopoldina para o metrô cidade nova, ali na avenida presidente vargas, no centro rio, em frente a prefeitura. íamos pela calçada da pista sentido zona norte. dai, vimos umas crianças atravessando a rua, vindo em nossa direção debaixo de um daqueles viadutos que vão pro maracanã. estranhamos por um instante o movimento, mas seguimos nosso caminho. a medida que se aproximavam (eram uns 5 ou 6 meninos) era nítido que estavam todos drogados, muito possivelmente de crack e que tentariam nos assaltar. e tentaram. as crianças nos cercaram, puxaram nossas bolsas, pediam nossos celulares, um deles nos ameaçava fingindo ter uma arma na cintura. num gesto muito parecido com o que eu fazia quando tinha a idade dele e brincava de polícia e ladrão.
Fabi e eu parecíamos não acreditar que aqueles meninos, daqueles tamanhos, estavam tentando nos assaltar. se nós quiséssemos, nós teríamos condições de bater neles – especialmente pelo fato de estarem muito drogados. mas, mesmo numa possível desvantagem, era isso que eles estavam fazendo: tentando nos assaltar.
seguíamos andando. “que isso moleque, fala sério. vc vai tentar me assaltar?”, num tom malandro pra me defender, enquanto levantava o braço pra que o um deles não alcançasse meu celular. um outro puxou a mochila da Fabi, ela resistiu segurando. os dois foram indo pra pista, entre os carros. um ônibus parou. buzinou. algumas pessoas gritavam coisas que eu confesso nem ter prestado atenção na hora.
daí, o que seguiu parece cena de filme: uma van branca atravessa na frente do ônibus e um grupo de uns 3 homens vestindo fardas verdes camufladas saem cada um com um fuzil na mão e apontam em direção às crianças, que estavam drogadas, tentavam me assaltar e fugiram correndo. os homens voltaram para a van. Fabi e eu nos apressamos para chegar ao metro”
se eu sou a favor da redução da maioridade penal?
absolutamente não.
eu tenho é vergonha de viver num lugar onde as crianças estão expostas ao que estas crianças que encontrei esse dia estão no seu cotidiano. violência, abandono, abuso de drogas. tenho vergonha do futuro que estamos reservando para elas.
tenho vergonha de ficarmos debatendo sobre redução da maioridade penal, quando o que deveríamos fazer é discutirmos maneiras realmente eficazes de intervir nesse processo e garantirmos o bem estar da sociedade como um todo, especialmente das crianças que a gente já identificou que estão em uma situação de vulnerabilidade.
é burro quem pensa que reduzir a idade mínima para condenações é a solução para o problema da violência urbana. como assim?! cadeia não pode ser política pública!
tenho é pena de quem acredita que isso servirá para outra coisa se não colocar na cadeia mais pretos e pobres. acho graça de quem fala de assassinatos, estupros e outras violências cometidas por crianças como se cada um de nós não fosse também um pouco responsável de alguma forma.
se engana quem acredita que menores que comentem infrações não são julgados e punidos. saiba que sim, eles são. só que quando isso acontece, as crianças e adolescentes não vão para um presídio. a punição é outra. e os pais – sim, os pais! ou avós, ou responsáveis, ou qualquer outro nome que a gente arrume para dizer de quem é a tarefa de educar, zelar e cuidar da criança – em muitos casos são também responsabilizados.
isso tudo, sem contar que nossa policia é truculenta e nossas cadeias não recuperam o infrator.
ao inves de querer uma alteração na lei, porque não fazer barulho para garantir que uma lei que já existe seja, de fato, aplicada: O Estatuto da Criança e do Adolescente.