Bira da Vila

Por ser um artista negro, nascido na Baixada Fluminense, nunca tive muito saco para discutir desigualdade, descriminação e racismo com quem só reclama e não traz nenhuma solução, por quê?

Sempre vivi tudo isso na pele preta que carrego. Quando penso nas atrocidades sofridas pelos nossos antepassados e as impostas a todos noz até hoje, só aceito qualquer debate se for pela busca do direito fundamental à “liberdade”.

Somos mais da metade da população do país, e até hoje somos doutrinados a renegar a educação e a política. E sem instrução, a política empurra a maioria de nós para o voto de cabresto, o subemprego, para a mão de obra barata e a doutrinação de sobreviver e se conformar com as dificuldades da vida de todos que ganham salário mínimo.

A Baixada Fluminense, por exemplo, é uma região conhecida como dormitório, a partir das quatro da manhã o povo começa a se levantar para ir ao trabalho. Trabalhadores subjugados nos transportes públicos que os conduz, humilhados e tratados como menores pelos seus empregadores, em sua maioria, de origem negra ou nordestina que vive na região. Uma região conhecida em todos os estados do país por fornecer mão de obra barata para todo o estado Rio de Janeiro. E por conta da baixa escolaridade, a maioria desconhece a luta e as conquistas de negros que provaram ser tão capazes, ou até melhores do que quem os subjugava. Tanto que entraram para a história por suas lutas e conquistas.

Zumbi dos Palmares, Luiza Mahin e Luiz Gama, mãe e filho, uma prova de que, quem sai aos seus não degenera. José do Patrocínio, Cruz e Souza, os irmãos Antônio e André Rebouças, Machado de Assis, dentre outros. Todos negros do século XlX pra trás, que dedicaram suas vidas à luta pela emancipação e fim da escravidão no nosso país, todos negros que se destacaram por sua capacidade intelectual. Nomes que a maioria de nós, negros brasileiros que vivem discutindo negritude nas redes sociais, nunca sequer leu um paragrafo sobre eles. Triste realidade de um país sem memória, principalmente a negra.

Se os negros, principalmente os cariocas tivessem consciência de quem foram essas pessoas citadas acima, certamente nesse momento tão obscuro que atravessamos, estariam se mobilizando como estão fazendo a comunidade negra de São Paulo, com artistas como Emicida uma referência da musica preta do Brasil fazendo um chamado de vídeo convocando geral para um ato contra os desmandos desse governo fascista contra pretos e pobres brasileiro. Enquanto isso, a consciência negra carioca segue calada em meio a esse caos que estamos vivendo discutindo nas redes sociais suas indignações contra pretos que namoram brancos ou vice-versa.

Inspirado nesses heróis, sempre me recusei a me achar menor do que quem quer que seja, pois cada uma dessas pessoas citadas aqui, nunca se colocaram como inferiores, todos tinham consciência de que pra fazer valer as suas opiniões, nunca poderiam se colocar como menores, mas sim como iguais.

Por isso, quando vejo ainda hoje, pretos achando normal outros pretos atirarem em pretos, compreendo a luta travada lá atrás por cada um deles, e imagino o orgulho de cada um quando se tornaram os primeiros negros brasileiros a se destacarem como engenheiros, advogados, literatos, jornalistas, ativistas, poetas, e guerreiros, como Luiza Mahin e Zumbi dos Palmares, que deram suas vidas à luta pelo direito a liberdade, e contra as injustiças impostas aos nossos. É uma pena que as escolas fundamentais do Brasil escondam a luta desses antepassados. Por isso, para mim, o dia 13 de maio é o dia que dedico a minha consciência e gratidão a cada um deles, que travaram sua luta pessoal em prol do coletivo negro brasileiro.

A minha busca pelo reconhecimento artístico é pessoal, mas minha luta pela emancipação artística e cultural é e sempre será coletiva.

Bira da Vila


Bira da Vila

Compositor e cantor de samba.

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