É o Som Baixadiano
Nunca me senti vocacionado para profecias, mas garanto que cantei a pedra lá atrás. Os amigos mais chegados são testemunhas de que, desde o início dos anos 2000, eu venho dizendo que a partir da década de vinte do presente século, a Baixada Fluminense estará na linha de frente da produção cultural do país.
E convenhamos, a década ainda não chegou à sua meiota, e a região vem revelando alguns artistas novos (e outros nem tanto), com toda cara de quem chega pra dizer a que veio. Nem estou falando de gente consagrada pelo apoio da indústria cultural corporativa, mas dos que buscam seu espaço pelo caminho alternativo, cada vez mais efervescente na Baixada.
É difícil falar de tantos, mas podemos citar o ator Átila Bee, dos mais requisitados para os palcos e as telas; o cineasta Igor Barradas, com o filme Voo já voando por aí; a artista plástica Vanessa de Menezes – e mais uma galerinha jovem, sagaz, que está se formando no Galpão da Gomeia. Eis que agora entra na ordem-do-dia o projeto Linguagens, produzido por Maria De Jesus Lima, sobre a obra do escritor Vicente Portella.
Autor dos livros O Parto do Pensamento (poesia, com Elaine Caldas), Anjos do Pé Sujo (romance), O Pária e outros Contos, entre várias outras obras, Portella teve oportunidades de ver muitos de seus poemas musicados por alguns dos mais respeitados compositores de Duque de Caxias. Seis dessas canções estão reunidas no EP Parcerias, incluído no projeto Linguagem, que pode ser acessado assim:
https://www.youtube.com/channel/UCrTFhPb3gE0FdXtTsXZTXzA/videos
Ao acessar o endereço acima, você vai ver/ouvir:
Galopeia – Heraldo HB e Vicente Portella.
Uma bela canção, na interpretação de Cintia Andrade. O arranjo é de Marcelinho Ferreira que, aliás, assinou todos os arranjos do álbum.
Meu Rio, Meu Lugar – Portella e Canthidio, nas vozes deste e Cintia Andrade, ambos veteranos das noites baixadianas. Dele, devo dizer que não sei se gosto mais como “canthidio” ou como “composithidio”.
Quando eu Crescer – samba dos mesmos autores, levado na fala mansa de Elvis Marlon. Além de bom intérprete, Elvis é figura cativa do Samba do Trabalhador, é parceiro de Moacyr Luz e está fazendo um samba-canção, digamos, “lupicínico”, com este que vos escreve.
Dança e Flor – outra de HB e Portella, cantada com o jeito nordestino (paraibano), que Heraldo acaba imprimindo em tudo o que faz e o que canta.
A Outra Parte – Portella, João de Deus e Lello Alves. Esta música tem um dado curioso. João de Deus (poeta) e Vicente Portella (idem) não são músicos. Numa noitada em qualquer boteco de má fama, se juntaram pra escrever um poema em parceria. Mesmo sem tocar qualquer instrumento, ambos começaram a cantar o texto, que acabou virando este tango, com o auxílio luxuoso de Lello Alves, aqui interpretado por Beto Gaspari e Átila Bee. Nos vocais, Débora Figueiredo, Robson Lemos e Cintia Andrade.
A Estrada – Lello Aves e Portella, na voz do primeiro, fecha com chave de ouro o álbum Parcerias. Eis aí o som baixadiano. Com ele, e outras obras que virão, a Baixada Fluminense saúda o distinto público, mas não pede passagem. Porque se não derem a gente vai passar assim mesmo.