Foi na última sexta-feira (5). Mas como estávamos todos envolvidos com o carnaval (uns na folia e outros em viagem), deixei pra comentar hoje. Naquele dia fez 22 anos que morreu o capitão da Aeronáutica Sérgio Carvalho, também conhecido como Sérgio Macaco. Este homem protagonizou uma dos capítulos mais brilhantes, na resistência à ditadura militar. Como poucos conhecem a sua história, estou postando uma crônica que publiquei no jornal Repórter da Baixada, por ocasião de sua morte, ocorrida em 5 de fevereiro de 1994.

 

A MORTE DO HERÓI

A imprensa não deu o devido destaque à notícia do falecimento do capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, transcorrida no último dia 5 de fevereiro. Sérgio Macaco, como ficou nacionalmente conhecido, foi vítima de um câncer no estômago, morrendo aos 63 anos, no Hospital Geral da Aeronáutica, no Rio, e foi sepultado sem honras militares. A salva de palmas em sua memória, a bandeira brasileira que envolveu seu caixão e a execução do Hino Nacional, na hora em que seu corpo baixou ao túmulo, foram iniciativas do governo do estado e de seus companheiros do PDT, partido pelo qual concorreu à Assembléia Constituinte, em 1986.

Num país como o nosso, tão desprovido de heróis, a morte do capitão Sérgio deveria merecer página inteira em todos os jornais, bandeira a meio-pau nas repartições públicas e luto oficial de oito dias, no mínimo. Vou mais longe. A partir deste ano, todo dia 5 de fevereiro deveria ser feriado nacional, em honra à memória de um homem que honrou sua condição de patriota e, sobretudo, dignificou a espécie humana com sua passagem pela Terra. Mas, ao invés disso, ele recebeu dos nossos dirigentes a ingratidão e o descaso, e morreu sem receber a promoção de brigadeiro, um direito reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, por seu ato de bravura, que evitou a morte de cerca de cem mil pessoas.

Convém relembrar a história de Sérgio de Carvalho. Tudo começou em 4 de abril de 1968, quando o Para-Sar, unidade de salvamento da Aeronáutica, à época sob o seu comando, teve parte do efetivo desviado de suas funções, para participar de operação conjunta com o Exército e a PM na repressão ao movimento estudantil, com ordem de atirar nos manifestantes. Revoltado com a má utilização de seus homens, o capitão comunicou o fato, pessoalmente, ao brigadeiro João Paulo Burnier, então chefe de gabinete do ministro da Aeronáutica, Márcio de Souza Melo.

Burnier – cuja história como torturador é registrada em diversos livros – explicou, então, ao comandante do Para-Sar, que pretendia transformar a unidade em uma espécie de tropa de choque, para promover atentados. De início, ele propunha a explosão do Gasômetro. Esses atentados seriam creditados aos comunistas, o que justificaria o acirramento da repressão política, o que acabou se efetivando a partir da promulgação do AI-5, em 13 de dezembro daquele ano. Sérgio não só se recusou a participar dessa atrocidade, como a denunciou aos seus superiores.

Por conta dessa recusa, foi punido com 25 dias de prisão e afastado do comando do Para-Sar, sendo transferido para Recife, até ser cassado pelo AI-5, meses depois. No ano seguinte, foi julgado pelo Supremo Tribunal Militar, sendo absolvido e, em seguida, reformado pela junta militar que sucedeu Costa e Silva no governo. Tudo isso ficaria encoberto, pelo menos até o advento da Anistia, se não fosse a coragem de Sérgio, que revelou ao país esse fato escabroso, em entrevista ao semanário Pasquim, no início da década de 70.

Num país sério, onde as instituições e os cidadãos são respeitados, Sérgio de Carvalho, anistiado que foi, em 1979, seria automaticamente içado à condição de herói nacional, condecorado por bravura e promovido à patente máxima de sua força armada. Mas isso não acontece no Brasil, onde foi apenas reintegrado à Aeronáutica, na mesma patente de capitão. Para reforçar o soldo, cada vez mais minguado, passou a trabalhar como diretor administrativo da Faperj-Fundação Estadual de Amparo à Pesquisa. Há quatro anos, embasado no Artigo 9º do Ato das Disposições Transitórias da Constituição (que permite a retomada dos direitos cassados “exclusivamente por motivos políticos”), ele acionou a União, requerendo no STF o reconhecimento de suas vantagens, interrompidas por mais de 20 anos. O presidente do Supremo, Antonio Galotti, lhe deu ganho de causa, em 17 de setembro do ano passado.

O que faltava, então, para que Sérgio de Carvalho fosse promovido a brigadeiro? Que o presidente Itamar Franco – pusilânime no campo político, desastrado no administrativo, sem autoridade no econômico e incompetente no social – se dispusesse a assinar a promoção. Uma simples assinatura impediu que o governo desse ao herói, o reconhecimento de sua dignidade, dignidade esta que faltou ao também capitão (do Exército) Wilson Machado, tristemente famoso pela explosão da bomba no Riocentro, durante uma festa de trabalhadores, na véspera do primeiro de maio de 1981. Este, sim, cumpriu fielmente as ordens de seus superiores, ajudando a incriminar os comunistas. Foi promovido por bravura e entrou para a História – ainda que pela porta dos fundos.

Porém, homens de brio e vergonha na cara, neste país, são tratados com desprezo. A exemplo de João Cândido (o Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata, contra os castigos físicos na Marinha), que morreu miserável e esquecido num bairro pobre de São João de Meriti, Sérgio de Carvalho (o Brigadeiro da Democracia) morreu sem o reconhecimento de sua bravura, por parte do Poder Executivo. Enfim, que a eternidade conceda descanso a Sérgio e a História faça justiça a Burnier e Itamar.

 


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