Universidade
“Cada um lê com os olhos que tem.
E interpreta a partir de onde os pés pisam.
    Todo ponto de vista é a vista de um ponto.”
Leonardo Boff
     Fechou a velha garrafa Termolar com força e carinho, afinal de contas ainda não eram nem seis da manhã e ele queria que quando sua mãe acordasse, encontrasse o café ainda quentinho. Apesar da ansiedade ter tomado as rédeas de tudo que fazia em sua vida naquela última semana, a única coisa que importava agora era saber por onde diabos andava seu antigo cinto personal com a inicial de seu nome, que era usado apenas em ocasiões especialíssimas, junto, é claro, com sua camisa social florida comprada na feira de bugigangas que rola aos domingos em Caxias atrás do Hospital infantil.
     Já paramentado e cheiroso, caminhava tranquilamente pelas ruas da Venda Velha e respirava com mais energia o ar do seu país. Os antigos paralelepípedos que calçavam as ruas do seu bairro, assim como as árvores frondosas e a buraqueira típica de São João de Meriticídio, aos olhos dele só traziam um ar mais leve, mais belo e remontavam o frescor das antigas fazendas e sítios da Baixada Fluminense.
     A metros de distância da Universidade Federal Vendavelhiana, apenas um nome não deixava de ecoar nos corredores de sua cabeça: Marcelo dos Santos Lima. E isso ressoava com o mesmo timbre de voz da coordenadora do seu curso da área de humanas. E quando tais palavras mágicas fossem proferidas, Marcelinho se levantaria e apresentaria seu trabalho de término de curso, nesse que seria um dos dias mais decisivos de sua vida.
Então o verbo se fez vivo e Marcelinho levantou. Conduta impecável. Cumprimentou a todos de maneira fina e elegante como sempre fazia. A tensão era enorme, aquela banca era compostas por doutores que eram considerados os mais antenados e vanguardistas de todo Campus.
     Colocou sobre a mesa uma caixa de papelão feita de maneira artesanal, adornada genialmente por si mesmo e ficou de pé ao lado do quadro negro sem proferir palavra alguma. Tal como um condenado diante de um pelotão de fuzilamento.
     A caixa foi aberta e em seu interior havia uma monografia com mais de quinhentas páginas que passou de mão em mão entre os avaliadores, eles a examinavam de maneira curiosa e a repassavam fazendo suas anotações. Logo chegou nas mãos da presidente da banca que folheou todas as páginas rapidamente e a fechou. Ela olhou para seus companheiros balançando a cabeça de maneira positiva e foi correspondida. Dirigiu-se a Marcelinho e disse: -Em todos esses anos de docência jamais tivemos em nossas mãos uma obra tão genial. Meu parecer é que você seja aprovado com louvor! Registre-se na ata de resultado: Aprovado com louvor e distinção e indicação pra publicação!
     Depois que todos já haviam deixado a sala, um rapaz que trabalhava na faxina e curtia assistir a apresentação de TCC’s, não tinha entendido nada. Ele jamais havia testemunhado alguém ser aprovado de forma tão unânime sem sequer dizer uma palavra. E porquê haviam deixado pra trás o livro em cima da mesa? Não seria essa uma das obras mais geniais já redigidas por um aluno daquela universidade? Não aguentando tamanha curiosidade ele abriu o livro e para sua surpresa todas as páginas estavam em branco. Ficou ainda mais confuso e resolveu retirar-se rápido, antes que alguém se desse conta de que esquecera aquele material sobre a mesa e voltasse flagrando-o se metendo em assuntos que não eram de sua alçada. Fechou a brochura e saiu tão depressa que nem se ateve ao título que graficamente fazia referências a um letreiro em luz neon e que de maneira caprichosa enfeitava a capa dura dessa esmerada encadernação: “Memórias de um maconheiro.”
Ricardo Villa Verde

Ricardo Villa Verde

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