ROGÉRIO TORRES PRESENTE!
Se não tivesse atravessado a fronteira em outubro do ano passado, Rogério Torres estaria completando 80 anos, neste 15 de junho de 2022. Não que ele fosse uma pessoa previsível, mas, pelo tanto que o conheço, sou capaz de garantir que hoje seria pra ele um dia como os outros, em que escreveria mais um capítulo de um novo livro, enquanto iria destilando o seu humor sagaz e distribuindo generosamente seus conhecimentos entre os que se interessassem. Ah, sim, ainda falaria horrores do cretino que ocupa o Alvorada.
Conforme eu já disse num texto anterior, Rogério foi uma das figuras mais geniais que cruzaram o meu caminho. Além de professor e historiador – funções que lhe deram mais notoriedade – era um cara voltado para as artes. Assim, ganhou prêmio em salão de artes plásticas, pra depois se revelar um fotógrafo notável e realizar documentários em Super8.
Publicou diversos livros, entre os quais se destacam “Sonegação, fome e saque” (este, em parceria com Newton Menezes), “O coronel Elizeu e seu tempo” e “Caxias de antigamente” – de abordagem histórica. Mas também foi bem sucedido em outros gêneros, como poesia (“Catavento”), ficção e crônica, a exemplo da série de cartas que escreveu, “endereçada” a ninguém menos que Machado de Assis.
Algumas das páginas mais interessantes da minha história tem a sua presença. Foi uma das amizades mais antigas que cultivei, por mais de meio século. Mais velho que eu cinco anos, na juventude Rogério foi o meu guru. Alguns dos melhores livros que li na época me foram doados ou sugeridos por ele. Minha formação ideológica passa necessariamente pelas conversas que tínhamos, às mesas do bar Garoto Fluminense, em Duque de Caxias, nos idos anos 1960.
É claro que de uma amizade tão longa, resultou uma série de histórias, sendo hoje muitas delas só notícia de velhos jornais. Juntos, trouxemos a Caxias a peça Morte e Vida Severina (J. C. de Melo Neto), no auge do sucesso nacional, em 1967; produzimos o I Encontro da Imagem & do Som (75), realizamos a entrevista com Bill Haley – quando fez um show na cidade, em 1976. Ele fotografou e eu entrevistei, com o meu “inglês de cais do porto”, como costumava dizer.
Mas, pra encerrar, preciso relatar um dos mais recentes diálogos que mantivemos, que expõe o melhor de Rogério Torres: sua generosidade, seu desprendimento. Falávamos de uma tela que ele havia pintado em 1968, inspirada na letra que eu fizera para um frevo, “A cidade dorme”. A obra me foi presenteada, e por décadas ocupou lugar de destaque na minha sala. Com o tempo, a tela começou a esgarçar-se nos cantos da moldura. Lhe propus que procedesse a restauração. Ele me saiu com esta:
– Ah, é sempre um prazer ir à sua casa. A gente toma umas cachacinhas, conversa sobre música… Mas não vou lá restaurar quadro, porra nenhuma.
– Pô, Rogério, mas o quadro tá se deteriorando. Você não tem interesse em perpetuar sua obra?
E ele, calmamente:
– Ora, Eldemar. Um dia eu vou morrer… Um dia você vai, também. Por que um quadro tem de viver eternamente? Deixa ele morrer em paz, meu amigo.
https://www.youtube.com/watch?v=e6tDByR4rwg