(A Taça do Mundo que foi nossa)

Depois da Copa de 58, o Brasil ainda disputou a Jules Rimet em mais três ocasiões: no Chile (1962), na Inglaterra (66) e no México (70), quando conquistou o direito definitivo sobre o troféu. Agora, a Taça, com 1,8 kg de ouro, seria para sempre nossa. E seria mesmo, se na noite de 19 de dezembro de 1983, o vigia da CBF, no Rio de Janeiro, não fosse surpreendido por dois homens armados, que a roubaram.
Essa história quase inverossímil começou numa mesa de carteado num bar em Santo Cristo, bairro da Zona Portuária do Rio. Foi ali que Sérgio Pereira Ayres, o Sérgio Peralta, então com 35 anos, convidou Antonio Setta para um assalto singular ao prédio da CBF, de onde roubariam a Taça Jules Rimet. Peralta era gerente de banco, mas fazia se passar por representante do Atlético Mineiro junto à Confederação, enquanto Setta vivia de pequenos furtos. Este não aceitou o convite por questões sentimentais. É que ao ver o Brasil conquistar o tri, em 1970, seu irmão, não resistindo à emoção, teria infartado. Não, ele não queria sujar as mãos com a Taça que “matou” seu familiar.
Dois meses depois, no mesmo bar, Peralta conhece aqueles que seriam os seus comparsas na empreitada: José Luiz Vieira da Silva, o Zé Bigode, e Francisco José Rocha Rivera, o Chico Barbudo. O primeiro era decorador e o segundo, fazia bico no comércio ilegal de ouro. Assalto planejado, partiram para ação. A data era propícia. Na véspera, todos os clubes haviam entrado em férias, logo, aquela segunda-feira prometia.
Por volta das 21 horas, Bigode e Barbudo chegaram ao prédio da CBF e renderam o vigia, João Batista Maia, que foi amordaçado, amarrado e teve seus olhos vendados com esparadrapo. Por “medida de segurança”, a Taça verdadeira se achava exposta, enquanto a réplica era guardada num cofre a sete chaves. Só que por “medida de insegurança”, o troféu verdadeiro era protegido por vidro à prova de balas, mas numa caixa de madeira presa à parede com pregos. Nada que um pé-de-cabra não pudesse resolver. Os ladrões sabiam de tudo isso, com base em levantamento feito por Peralta.
O caso teve repercussão internacional, e a polícia sentiu-se pressionada a se empenhar na investigação. Mas nem precisou tanto, pois Setta denunciou Peralta a um policial, que conseguiu prendê-lo, dia 25 de janeiro de 1984, quando transitava pela Avenida Beira-Mar, no Centro do Rio. Bigode e Barbudo também foram presos logo depois. Até que, em fevereiro, 12 policiais invadiram uma ourivesaria também no Centro, prendendo o seu proprietário, o argentino Juan Carlos Hernandes.
Por uma estranha “coincidência”, Juan havia mudado, em janeiro daquele ano, a razão social de sua empresa, J. C. Hernades, para Aurimet, que pode ser lida como uma junção de “auri” (corruptela de Aurum – ouro em latim) com Rimet. Na Polinter, para onde foi levado, Hernandes contou que em seu escritório havia um equipamento para derreter ouro. Mas, por ser incipiente, só processava 250g por vez, o que o levou a serrar a Taça em vários pedaços, os quais, derretidos, viraram barras que foram negociadas.
Depois de alguns meses presos, todos ganharam o direito de acompanhar o processo em liberdade. Em 1988, a justiça condenou Peralta a cinco anos, os ladrões a seis cada um e Juan a três anos. Todos fugiram. O mentor foi preso em Cabo Frio, em 1994, sendo encaminhado ao Presídio Esmeraldino Bandeira, em Bangu, de onde saiu, em setembro de 98, em liberdade condicional.
Chico Barbudo não chegou a ser preso de novo, pois, ainda foragido, foi assassinado, em 28 de setembro de 1998, num bar em Santo Cristo – possivelmente o mesmo onde foi planejado o roubo. Bigode, preso em 1995, obteve liberdade condicional três anos depois, após cumprir boa parte da pena na Colônia Agrícola de Magé, em regime semi-aberto.
Quanto a Antonio Setta, o delator, morreu vítima de um acidente de carro suspeitíssimo, na Lagoa Rodrigo de Freitas (Zona Sul do Rio), na semana em que ia prestar depoimento em juízo sobre o caso. E Juan Carlos Hernandes também foi recapturado, na rodoviária de São Paulo, pelo delegado Marcelo Itagiba, então na Divisão de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal.


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