Sob o Teatro Raul Cortez, que na rampa que flutuava, agora tem paredes que separam quem precisa ter sua forma acolhida e redefinida coletivamente

A única praça existente no centro de Duque de Caxias deveria ser do povo para celebrar a vida, exaltar as artes, reunir sua gente para construir direitos e garantir saberes, e entender os deveres que se devem ter todos os munícipes, principalmente seu executivo.

Na Praça do Pacificador está a única intervenção urbanística de Oscar Niemeyer na Baixada Fluminense. A Praça do Pacificador se transformou no centro cultural batizado com o seu nome. Mas o que teria a considerar? Nenhuma obra relevante havia no local. De uma bica d’água a camelódromo, a saudosa praça nunca foi um monumento, só marcava o centro, dada a precariedade da cidade que capitaneava. E as palmeiras? E o bronze do Duque de Caxias sobre seu cavalo? Seguiram para outros locais das terras do Duque. Ousado o arquiteto de Caxias! Desconsiderou tudo! O espaço existente, a vizinhança, a funcionalidade. Só respeitou o cliente: o povo da Baixada, aquele que não tinha, até agora, um teatro nem mesmo uma biblioteca de qualidade.

E é nesse cenário que, hoje abriga os moradores de rua, os sem teto, que não tem abrigo, que tenta sobreviver em situação de extrema carência espiritual e material, ausente de condições mínimas de salubridade e meios próprios para sobreviver. Sim, o povo abandonado pelo poder publico deu destino às marquises que abriga o terceiro maior teatro do estado do Rio de Janeiro, tendo como preâmbulo o Theatro Municipal e João Caetano, ambos na cidade do Rio de Janeiro.

E o que faz a prefeitura de Duque de Caxias? Além de expulsar dali quem deveria ser acolhido com trabalho e renda, habitação, serviços básicos, resolve raivosa e indevidamente descaracterizar a obra do Niemeyer.

A praça onde está localizado o Centro Cultural sempre foi palco dos maiores acontecimentos políticos da cidade. Neste cenário deu-se início a Campanha das Diretas Já, Pela Anistia Ampla Geral e irrestrita e o Movimento Contra Área de Segurança Nacional. Os movimentos sociais utilizam por anos o espaço, para suas diversas ações sociais, envolvendo as ativistas dos movimentos de mulheres, feminista, criança e adolescentes e negros. Por lá está seu povo do dos movimentos culturais urbanos e periféricos, como o SLAM, o Hip Hop, o Samba, os saudosos Bailes Blacks e os amantes das tantas atividades esportivas.

O Centro Cultural Oscar Niemeyer, em Duque de Caxias, é a materialização mais expressiva da cultura na Baixada Fluminense, sendo que desde seu projeto tem sido um marco em uma região tão carente de espaços desse porte, design e caráter.

O projeto consiste em uma arena aberta dotada de dois elementos volumétricos contrastantes – biblioteca e teatro. Este, um bloco cilíndrico envolto por uma rampa sinuosa que lhe dá acesso, tem dupla possibilidade de utilização: fechado, com palco italiano para uma plateia de aproximadamente quinhentas pessoas, ou voltado para a praça, aberto à cidade, para todo mundo. Estendendo o domínio de seu palco aberto, encostou o prédio do teatro quase nos fundos da praça e levantou a biblioteca sobre pilotis em “y”, um potente volume de linhas retas marcado por grandes aberturas circulares nas laterais.

Na aceitação do encargo, Oscar Niemeyer, o qual dispensa apresentações, teve um comportamento atípico em relação a sua postura usual; ao contrário de esplanadas abertas para os seus monumentos, exigiu uma única condição: o local para a sua disposição deveria ser em uma zona de grande fluxo de pessoas. Foi-lhe dado, então, o coração da cidade: a Praça do Pacificador. Ali, Niemeyer compôs sua ópera.

Por Sílvia de Mendonça
Ativista dos Direitos Humanos
Subsecretária de Cultura de Duque de Caxias, em 2004
Responsável por acompanhar o Projeto do Centro Cultural junto ao Escritório do Niemeyer


Sílvia de Mendonça

Formada em jornalismo e produção cultural, Sílvia de Mendonça também é atriz e ativista do Movimento Negro Unificado (MNU). Também tem presença nas lutas contra intolerância religiosa, juventude negra e direitos humanos.

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