Cultura Alternativa da Baixada: Uma Convocação
Por Giordana Moreira (artefeito.giordana@gmail.com)
O que busca uma adolescente que sai de Austin toda de preto e com cabelo azul, de ônibus, em direção á Praça do Skate, no Centro de Nova Iguaçu?
Em décadas de faça você mesmo a Baixada construiu, através de seus habitantes, formas particulares de expressão e produção artística e cultural, metodologias e sentimentos com relação ao fazer cultura alternativa. Aqui essa cultura a qual me refiro é aquela que não nos oferecem na TV, nem na esquina do Riachão. Nem mesmo no centro da Cidade de Nova Iguaçu nem de Duque de Caxias. E, única e exclusivamente por nossa causa, nem mesmo a que passa na MTV ou no Rock In Rio.
Atrás de um pouco de vida e liberdade jovens carregam caixas de som nas costas, gelam cervejas e se encontram. Em qualquer lugar que estejam trocam ideias sobre um mundo de possibilidades que só encontram dentro de si mesmos. Até um boteco de 10 mt² pode se transformar em um encontro semanal de duas mil pessoas. Um cineclube pode se tornar um ponto de convivências. Uma bateria no chão pode se tornar o primeiro festival feminista da região. Sem os instrumentos e burocracias elas fazem por que precisam fazer tanto quanto o publico precisa consumir e o artista precisa se expressar. Realizar, lutar por isso e escrever a historia é um processo de gestão, ainda democrática por que não depende do gestor, mas do que a turma quer, pois o faça você mesmo só rola quando cada um faz um pouquinho.
Muitos caretas institucionalizados ou desprovidos de sonhos enxergam esses jovens como maconheiros sem futuro, marginais em potencial, e em suas visões nossas obras são besteiras que iremos nos arrepender pelo resto da vida. Pois não é conveniente dizer que o que fazemos é o que muita gente deveria fazer.
O estigma de pobreza, violência e terra de ninguém que a Baixada Fluminense ainda carrega, ocultada por uma exploração sem fim de sua produção por gente que se dedica arrumar empregos de fazer discursos respinga na cultura alternativa na forma de preconceito e de exclusão, como os passageiros do ônibus que agridem a jovem de cabelos coloridos.
O que não contam (mas sabem) é que a cultura vai além da arte. É comportamento, filosofia de vida. É o que faz de mim uma gestora, ao invés de uma frustrada dona de casa tolhida daquilo que um dia sonhou. É Seatlle, é a praça do skate que faz de milhares de jovens sonhadores a adultos (ou ainda jovens) realizadores.
Portanto, quem sonha com algo a mais do que é oferecido nas esquinas da Baixada é gestor de sua própria vida, e pode e deve construir caminhos para que outros sonhem, por mais que os caretas digam que não, com medo de gente livre no comando.
É conveniente que o submundo underground da BF fique na Praça do skate tomando porrada da policia, alheio ao que acontece nos governos, na sociedade e nas paginas do caderno Baixada de grandes jornais. Conveniente para aqueles que ganham coisas postando fotos dissimuladas na internet.
A cultura alternativa aqui não passa de um núcleo em uma ONG, um contemplado em um edital, um chamado da policia em uma praça, uma foto no gabinete do secretário. Quando é de fato um movimento de libertação das sacanagens históricas de uma terra explorada e estigmatizada.
O underground não depende dos cadernos baixada nem dos governos, muito menos da caretisse da tal sociedade para existir. Por anos estivemos organizando festas, shows, musica e vida entre nós, repassando para os próximos, sem qualquer colaboração de ninguém de fora deste ambiente.
Mas o povo precisa sonhar. Precisa que os rockeiros da passarela do rock não sofram violência, que bandas ensaiem e músicas sejam tocadas, que filmes sejam exibidos, que livros sejam publicados. Ate agora carregamos as caixas em carrinho de supermercado, mas não significa que deve ser assim para sempre. Significa que se com um carrinho de supermercado fazemos imagina com o respeito que merecemos, por toda essa historia, e por sermos o que somos, gestores de nossas vidas, num emaranhado de programas de resgate de seres humanos das armadilhas do sistema que inundam os noticiários. Nós não pedimos nada por que o povo não precisa pedir nada. Nós fazemos o que precisa ser feito, cultura, e levamos isso a sério.