A Roliúde da Baixada
Para Chico Santos da Indio Filmes, um nordestino talentoso, simpático e amigo.
Não chegaria ao exagero de dizer que Duque de Caxias é a “Roliúde” da Baixada Fluminense; tampouco cometeria a leviandade de afirmar que temos uma vocação inequívoca para o cinema. Mas uma coisa é certa: a sétima arte” sempre nos cortejou e sempre fomos enamorados dela.
Nos anos 60, Francisco Santos – ator, roteirista e diretor de cinema – inaugurava em nossa cidade a “Índio Filmes”, posteriormente rebatizada com o modernoso nome de King Filmes. Foram estas duas empresas as nossas primeiras (e únicas) companhias cinematográficas.
A Índio Filmes e a King Filmes surgiram numa época em que as “atualidades” e os “jornais da tela” tinham grande prestígio. Isso porque a televisão ainda engatinhava e, em matéria de jornalismo, ficava limitada ao Repórter Esso. Como ele era oriundo do rádio, trazia deste uma linguagem imprópria para a nova mídia. A “telinha” lutava, mas não conseguira ainda vencer o “telão”.
A Índio Filmes e a King Filmes, apesar da curta existência, através de suas lentes, conseguiram registrar importantes fatos políticos e sociais acontecidos em Duque de Caxias. Infelizmente todo esse precioso material foi perdido.
Entre os anos 70 e 80, o Grupo ARCO – do qual, junto com Barboza Leite e Armando Valente, tive a oportunidade de participar – produziu alguns “curtas” em Super 8 sobre o município; parte desses filmes até bem pouco tempo ainda existia.
Recuando ainda mais no tempo, temos a notícia da chegada de Vicente Celestino e Gilda de Abreu em São Bento para a realização do filme “Coração Materno”, dramalhão lacrimejante escrito e dirigido pela própria Gilda de Abreu. Com certeza, o Núcleo Colonial de São Bento fora escolhido por oferecer adequado ambiente rural, além de contar com um conjunto arquitetônico típico do Brasil-Colônia.
João do Caio, nosso cronista de São Bento, lembra que muitos moradores do Núcleo participaram como figurantes das filmagens de “Coração Materno”, inclusive ele mesmo, representando um jovem escravo.
“Carnaval em Caxias”, uma chanchada da Atlântida, realizada em 1954, tratava de maneira caricata a figura do deputado Tenório Cavalcanti, na época, no auge da fama. Mais uma vez a terra não pacificada do Pacificador era lembrada na tela dos cinemas. Caxias, sempre levada na gozação.
“Assalto ao Trem Pagador”, filme lançado em 1962, tendo na direção Roberto Farias, colocaria nossa cidade na mira dos cinéfilos. O filme baseado em fatos reais acontecidos na Baixada Fluminense, teria seu desfecho em Duque de Caxias, com a morte de Tião Medonho na Casa de Saúde Santo Antônio, localizada na Rua Bittencourt (atual tenente José Dias), esquina com a avenida Nilo Peçanha. A película destacava ainda a atuação do delegado Amil Ney Rechaid, na ocasião lotado em nosso município.
No início dos anos 70, seria a vez de Nelson Pereira dos Santos. Vinha para filmar ”O Amuleto de Ogum”. Para isso, ficaria instalado, junto com a sua equipe, no Ginásio Aquino de Araújo”. “O Amuleto de Ogum”, com argumento de Chico Santos (aquele da Índio Filmes), narrava a saga de um pistoleiro de corpo fechado contada por um cego violeiro (Jards Macalé). Era uma visão cordelista fantasiosa da vida de Tenório Cavalcanti. Devemos lembrar que Chico Santos tinha sido motorista de Tenório, portanto conhecendo intimamente o deputado.
O filme, um dos mais bem-sucedidos do cineasta Nelson Pereira dos Santos, recebeu a “Coruja de Ouro” pela direção e o “Prêmio Air France de Cinema” como o de melhor direção e melhor filme do Festival de Gramado.
Ainda permanece bem viva em nossa memória a atuação de Jards Macalé, cantando e tocando a sua viola pelos becos e vielas próximas do Mercado Municipal.
“O Amuleto de Ogum” daria especial atenção ao cadinho cultural da Baixada Fluminense. Nele fica clara a efervescência social emanada da multiplicidade étnica de nossa população.
Em 1993, seria a vez de Cacá Diegues arribar na terra do “Pacificador”. O diretor de “Xica da Silva” escolheria Xerém para a realização de “Quilombo”, filme que abordava a epopéia de Palmares. O local era perfeito, pois tinha “um trecho de floresta, sem sinais de devastação pelo homem, terreno largo o suficiente para caber nele a capital de Palmares, Macaco, e com uma área de sobra onde se desenrolasse a batalha com os bandeirantes paulistas”.
A presença da equipe de “Quilombo” em Xerém, veio dar grande alento à região, àquela altura convivendo com o desemprego em virtude do fechamento da fábrica da FIAT.
Em “O Homem da Capa Preta”, produção de 1986, dirigida por Sérgio Resende, mais uma vez colocava na tela a vida de Tenório Cavalcanti . Tenório, que já fora caricaturado em “Carnaval em Caxias” e mitificado em “O Amuleto de Ogum”, agora era apresentado como paladino das causas populares.
“Sangue Quente em Tarde Fria”, produção de 1970 tem o nosso querido e saudoso Chico Santos como autor do argumento.
Nos diversos filmes aqui realizados, ficou comprovada a nossa capacidade de oferecer locação, mão-de-obra, figurantes e, talvez, quem sabe, futuramente, um ator ou jovem diretor de cinema. Talentos temos o bastante, nem é preciso procurar muito.