Baía de Guanabara, a grande esquecida
A prefeitura do Rio divulgou mês passado o Plano Estratégico 2017-2020, com diretrizes, metas e ações prioritárias da administração municipal para os próximos três anos e meio. E foi com surpresa que constatamos que nas 212 páginas do documento não é sequer mencionada a Baía de Guanabara.
No Plano Estratégico, a prefeitura indica a meta de aumentar para 68% a taxa de cobertura da rede coletora de esgoto com tratamento na Área Programática 4 (Barra e Jacarepaguá), até o fim de 2020, através da concessão dos serviços de esgotamento. Entendemos que, ao definir objetivos apenas para a AP4, a administração municipal abre mão de coordenar esforços de coleta e tratamento de esgoto de toda a cidade e aumenta investimentos na região que mais recebeu recursos públicos e privados durante as Olimpíadas. Isso aumenta a desigualdade.
Atualmente, segundo dados do ICMS Verde, apenas 2,9 milhões de habitantes, ou 47% da população, contam com coleta e tratamento de esgoto, a maioria situada no Centro, Zona Sul, Barra, Tijuca e São Cristóvão. Isso se considerarmos que a Estação de Tratamento (ETE) Ilha, a ETE Penha e a ETE Alegria estejam operando normalmente. Mas, na verdade, elas se encontram em manutenção. É necessária uma política de saneamento básico para toda a cidade, com especial atenção para a AP3, que inclui a Zona Norte e as regiões das bacias dos rios Acari, Pavuna, Faria Timbó, Manguinhos e outros que afluem diariamente enormes volumes de esgoto sem tratamento para a Baía de Guanabara.
O Plano Municipal de Saneamento do Rio de Janeiro (2011), um dos primeiros elaborados no estado, precisa ser revisado. Apesar de pioneiro, não define os territórios das metas de curto, médio e longo prazos como deveria e nem apresenta um orçamento para a universalização dos serviços, contemplando todas as APs, e nelas incluindo favelas e comunidades. O Plano de Saneamento é fundamental para definir prioridades e obter recursos de investimentos no setor.
Durante a candidatura do Rio para sediar as Olimpíadas, o governo do estado prometeu despoluir 80% da Baía da Guanabara, o que seria um dos principais legados do Jogos. Entre os vários motivos para a meta não ter sido alcançada estão a falta de coordenação entre políticas e a descontinuidade dos programas de coleta e tratamento de esgoto, inclusive o Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (PSAM), financiado pelo BID. Falta governança. A Baía padece com a entrada diária de 18 mil litros de esgoto por segundo em suas águas. Não podemos aceitar passivamente essa realidade. Sua paisagem foi declarada Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco em 2012. Mas não teremos Baía limpa enquanto os rios da Zona Norte continuarem como latrina da população carioca.
Outro elemento importante para a revitalização é a reinvenção de sua orla. Isso significa aproximar a população de suas águas, promovendo seu uso qualificado, fortalecendo a atividade pesqueira em toda sua extensão, fomentando a prática esportiva e turística no seu interior e ampliando a malha de transporte aquaviário entre seus vários polos urbanos, como Duque de Caxias, Magé e São Gonçalo. No caso do Rio de Janeiro, a cidade pode ter um papel ativo nesse processo se continuar a revitalização da Região Portuária e desenvolver projetos de recuperação urbana e ambiental em toda a sua orla — do Piscinão de Ramos à Enseada de Botafogo, passando por todo o entorno das ilhas do Governador e de Paquetá. Não podemos enxergar a Baía apenas como um problema que precisa ser resolvido. Devemos enxergá-la como principal patrimônio urbanístico e ambiental do Rio, plena de oportunidades para a geração de bem-estar e desenvolvimento da cidade. E a tarefa número 1 é universalizar a coleta e o tratamento de esgoto no seu entorno.
Henrique Silveira é coordenador executivo da Casa Fluminense e colaborador da Lurdinha.Org
Artigo publicado no jornal O Globo em 07/08/2017