“ORA DIREIS OUVIR ESTRELAS”
Olha que é muita coisa de ruim viver sob um governo assassino, corrupto e verminoso como esse que tá aí, fruto direto do golpe sinistro de 2016. São tantas coisas cabulosas, tristes e enervantes que nem vale enumerar. Mas esses dias lembrei de uma coisa pessoal que me deixa muito chateado de vez em quando que é lembrar que, por conta desse merdelê contínuo, nunca mais consegui dar umas bisolhadas num assunto que me amarro muito: a possibilidade de vida extraterrena, principalmente vida extraterrena inteligente.
É, eu sei que esse assunto depõe muito contra a reputação do serumano, mas já me conformei com isso desde o tempo de moleque no movimento estudantil, onde minha coerência marxista era sempre olhada com um certo ar de “ah, tá bom, tá bom, cara…”. Sou um autodesmoralizado, de boa, sem crise.
Sem dúvidas que dois assuntos acabaram por me lembrar disso essa semana e um deles foi a audiência pública que teve no Congresso do Estados Unidos nessa terça-feira. Não que tenha sido inédito: há exatos cinquenta anos já houve uma audiência pública lá mesmo, o mesmo assunto, que acabou por originar um projeto oficial do governo, o Projeto Livro Azul, que durante 17 anos catalogou milhares de casos de avistamentos de objetos voadores não identificados. O Blue Book Project foi responsável por ter desmascarado e/ou explicado mais de noventa por cento dos casos investigados. Muitos acreditavam, e acreditam até hoje, que o projeto era uma “cortina de fumaça” para despistar ações norteamericanas na corrida armamentista na Guerra Fria. Ali nas décadas de cinquenta e sessenta tudo estava envolto nesse contexto e desde o fenômeno dos foo-fighters da Segunda Guerra, essa mistura de assuntos paranóicos e bélicos sempre estiveram presentes, ainda mais misturados com a produção fílmica hollywoodiana.
Mas o motivo da audiência pública desta semana é que autoridades daquele país estão preocupadas com o que anda rolando pelos ares lá, no esteio dos vídeos que o Pentágono liberou e deu autenticidade em 2019. Ano passado um relatório apontou 144 casos de avistamentos aéreos sem explicação nos últimos anos no país e aí, meu bom, os hômi querem ver isso direitinho. Primeiro que, se os vídeos são autênticos mesmo, segundo o Pentágono, coméquéisso de coisas voando desafiando a gravidade, fazendo movimentos impossíveis pra nossa tecnologia e tocando um zaralho nos céus gringos. Segundo é que, se isso não for de outro planeta é pior ainda: quem é que tá com essa braba aí no arsenal, no pente? Muitos falaram que poderia ser coisa de chineses ou russos, drones poderosos e tal, mas com a guerra na Ucrânia bombani fica difícil achar que os russos tão com essa bola toda… Talvez a China. O fato é que a audiência pública de terça-feira praticamente sacramentou: existe mesmo uma bagaça tecnológica avançada acontecendo por aí que não sabemos explicar… Na dúvida, eles montaram um novo puta escritório pra estudar mais o assunto e ainda trocaram a sigla UFO por UAP, saindo a nomenclatura objetos e entrando agora fenômenos aéreos não identificados. Ah, sim, e passaram o recibo de que estruturas governamentais de fato estudam a parada, ainda que passassem anos negando.
Bom, e nessa semana também é aniversário do episódio famoso acontecido em 19 de maio de 1986, que ganhou o pomposo nome de A Noite Oficial dos OVNIs, onde vinte e uma “coisas” ficaram horas zanzando pelo céu de várias regiões do nosso país. Tem esse nome de noite oficial porque demandou uma coletiva de imprensa na época, bem badalada, e na ocasião, o Ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Júlio Octávio Moreira Lima, admitiu que as paradas foram detectadas por radar, vistas por pilotos, e que tinham movimentos impossíveis, parecendo ter inteligência. E deixando claro que as Forças Armadas não tinham explicação para o que aconteceu. Pra sentir a dramaticidade dessa noite, seis caças da Aeronáutica foram chamados pra perseguir esses troços rápidos e brilhantes, além de um avião Xingu, da Embraer, pilotado pelo Coronel Ozíres Silva, que era piloto e tinha acabado de assumir a presidência da Petrobrás.
E curioso é que nessa referida coletiva, o ministro prometeu um relatório para dali a um mês e, obviamente, esse relatório nunca foi pra rolo, nunca foi mostrado e caiu no esquecimento. Mas, trinta anos depois, os documentos oficiais desse dia foram parar no Arquivo Público Nacional e, além de todas as conversas gravadas entre pilotos e torres de comando mais as imagens de radar, está lá no bolo de documentos o tal relatório prometido. E é muito maneiro de ler esse arquivo, principalmente os últimos parágrafos do final: “Como conclusão dos fatos observados(…) os fenômenos são sólidos, refletem de certa forma inteligência, pela capacidade de acompanhar e manter distância dos observadores como também voar em formação (…)”. Esse episódio é muito maneiro, cara.
Apesar de gostar do assunto, levo mais como uma curiosidade da vida; nunca entro em proselitismo e tentativa de convencer alguém. Ainda mais que tudo que cheira a teorias da conspiração é terreno fértil pra malucos com tendências bolsonarentas – é certo… Mas eu posso dizer com firmeza que existe de fato uma gama de fenômenos aéreos não identificados que sugerem algo desconhecido das leis da Física. O que seria isso, aí já evito teorizar, no máximo penso que sei lá, vai que é a gente mesmo vindo de um futuro onde a máquina do tempo foi inventada; vai saber.
E na verdade, nessa seara eu curto mesmo, principalmente, são os relatos de avistamento, as histórias pessoais. Sério. Primeiro porque sempre fico curioso como pessoas tidas com reputação respeitável deixam relatos públicos de uma parada tão bizarra e desmoralizadora. Autoridades militares, cientistas, artistas, executivos, pessoas públicas, religiosos. Tipo o psiquiatra Carl Gustav Jung que teve fama em vida, tido como um cara sério e bem-sucedido e bem avaliado, e que no final da vida escreve um livro sobre discos voadores… Embora a teoria dele sobre os fatos se encaixasse no resto de sua obra, ele passou por uma onda pesada de ridicularização por uma galera grande na Europa daquele momento. (Aliás, dia desses encontrei um edição antiga, raridade, desse livro numa banca de livros aqui do centro de Caxias – por vinte conto).
Ainda sobre relatos, o mais incrível mesmo nem são esses de famosos. Por conta de trabalho pude viajar por alguns rincões do país e em todos os lugares, quando vou conversar com pessoas do povo local, na discreta, na maciota, dou um jeito de puxar o assunto e, rapáiz… Já ouvi histórias muito incríveis de pescadores e mateiros do Norte Fluminense, no interior de Minas, ribeirinhos na Amazônia, indígenas, roceiros… Acho muito maneiro como os relatos são parecidos, como as descrições parecem saídas de uma mesma memória ancestral ou, vá lá, relatos de um fenômeno real inexplicado mesmo.
Independente de qualquer coisa, o fascínio está e sempre estará aí, ainda mais que nos próximos dois, três anos deve rolar o anúncio de vida bacteriana em Marte de alguma das três missões que tão lá e isso já vai ser bem legal. Fora a lindeza das imagens que virão do Universo feitas pelo fodaço do James Webb, mega-ultra-telescópio que começou a operar no lugar do Hubble. Na verdade não precisa acreditar em etê pra se maravilhar com a grandeza majestosa do espaço sideral – só deixar a mente curtir já é show.
No meu caso, penso que em algum momento vamos superar essa ameaça fascista e essa selvageria ultraliberal e espero conseguir tirar um tempinho de vez em quando, sem culpa, pra dar uma navegada por aí, vendo o céu, ouvindo histórias de naves estelares, se deliciando com as imagens das sondas espaciais, e alimentando a mente com a infinitude do cosmos, que é angustiante às vezes, mas também imensamente prazerosa.
[ heraldo hb – pitacolândia – maio de 2022 ]
ps: “ora direis ouvir estrelas” é de um poema do olavo bilac.