Em 1921, a educadora Armanda Álvaro Alberto criou a Escola Proletária de Meriti, como era conhecida na época. Anos depois, foi rebatizada de Escola Regional de Meriti, mas popularmente ficou conhecida como Mate com Angu. Isso porque a Mate com Angu foi a primeira escola a servir merenda na América Latina. Uma iniciativa simples, básica, mas essencial para garantir que as crianças frequentassem as aulas. Ninguém aprende de barriga vazia, e isso o povo da Baixada já sabia há muito tempo.

Quase 100 anos depois, em 2020, foi da Baixada também que começou o Tem Gente Com Fome, uma campanha da Coalizão Negra Por Direitos para arrecadação de alimentos para as pessoas que estavam sofrendo com as consequências da pandemia. Foram mais de 200 mil famílias ajudadas por uma política de solidariedade que começou aqui na Baixada e se nacionalizou. O nome da campanha também foi uma homenagem à nossa região: tem gente com fome vem de um poema de Solano Trindade, pernambucano que escolheu a Baixada como lar.

Construir a Tem Gente com Fome foi um dos momentos mais marcantes da minha vida. Primeiro porque naquela época, no meio da pandemia, ninguém sabia o que vinha pela frente. Não tem como explicar a dor e o anseio de visitar famílias, de conhecidos ou não, desesperadas porque não tinham o que colocar na mesa de casa enquanto na rua um vírus matava especialmente os mais pobres e com menos acessos. Mas foi a Tem Gente com Fome também que me trouxe esperança na solidariedade do povo. Arrecadamos doações de dinheiro e alimentos, e centenas de voluntários se somaram ao esquema de entregas de cestas básicas. A solidariedade, mais uma vez, nos salvou.

Também não consigo pensar na coragem do povo da Baixada sem pensar em João Cândido. O Almirante Negro se revoltou com a diferença no tratamento dado aos marinheiros negros e liderou tropas da Marinha a virarem seus canhões contra o império, do outro lado da Baía de Guanabara. Nos livros de história, esse episódio é conhecido como a Revolta da Chibata. Infelizmente, há um movimento para não se inclua João Cândido no Livro de Heróis da Pátria, uma forma de deslegitimar a luta do povo negro. Eles não gostam de aceitar a nossa potência.

Mas o que faz com que o povo da Baixada seja tão pioneiro na luta por direitos? Esses três episódios, em momentos históricos completamente diferentes, mostram que somos um povo trabalhador, solidário, mas que, sobretudo, não perde a capacidade de se indignar com o que está errado no mundo.

“O melhor lugar pra morar é na minha baixada, podes crer”, cantou Bezerra da Silva. Eu concordo. É na querida Duque de Caxias que cresci, amadureci e entendi também o que o sambista quis dizer com seus versos. No Dia da Baixada, queria lembrar dos nossos heróis e heroínas – os que estão e os que não estão nos livros de história, e aqueles que tentam tirar também. Abdias Nascimento dizia que a Baixada é um grande quilombo. Quilombo, pra mim, é potência. E sei que isso a gente tem muito!


Wesley Teixeira

Sou jovem, negro e morador do Morro do Sapo, em Duque de Caxias, Coordeno o Pré-Vestibular Popular +Nos e organizo a Roda Cultural do Centenário, sou membro da Igreja Evangélica Projeto Além do Nosso Olhar, estudei no Colégio Estadual Irineu Marinho e fui Coordenador Geral da União dos Estudantes de Duque de Caxias.

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