1980

Dia 25 de agosto foi a inauguração do Viaduto. A festa do dia do soldado, que tradicionalmente era no Centro de Caxias, este ano foi em frente minha casa. Assistimos de cima do telhado. Só quando o presidente Figueiredo passou em desfile, descemos. Um camelô ficava me oferecendo biscoito globo e minha mãe mandou pegar. O cara cobrou o preço e minha mãe disse que não pagaria, pois ele me deu sabendo que não tinha dinheiro, já que era uma criança de 8 anos. À noite teve show do Dicró no portão do ferro velho.

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1981

Já contei essa história um milhão de vezes, mas não custa repetir. Todo ano minha mãe me levava ao cinema para assistir o lançamento do filme dos Trapalhões. Esse ano teve dois filmes. Aquilo era uma coisa extraordinária; mas, para minha surpresa, o filme era um documentário. Fiquei puto da vida e um bom tempo sem querer saber de documentário.

http://youtu.be/VIbKZrUQZ0E

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1982

Michael Jackson, definitivamente, mudou o comportamento da galera do Centenário. É chato ter que admitir, mas poucos não tinham uma sapatilha japonesa e um casaco vermelho. Quem arrumasse uma luva branca virava herói, pois o par era disputado à tapa. Os papelões forrados nas esquinas passaram a fazer parte do cotidiano do bairro. Ninguém fazia ideia do que era a cultura hip hop. Imitávamos o que víamos na TV, sem politizar.
http://youtu.be/Ym0hZG-zNOk
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1983

O récorde mundial do Ricardo Prado acabou levando minha mãe a me matricular na natação. Eu achei uma maravilha, pois no clube tinha quadra de futebol com taco e o cacete. Nunca mais iria arrancar o tampão do dedo bicando paralelepípedo. O maior problema era acordar no inverno e já estar dentro da piscina às 7h20min.

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1984

Com a abertura da novela Partido Alto a brincadeira foi ficando mais complexa. Todo dia às 8 da noite era hora de imitar os dançarinos da TV e no dia seguinte ir se exibir para a garotada. Na Escola Ana Laura aconteceu um concurso de break. Tinha um moleque que dançava horrores no alto, mas nunca ia pro chão. Os jurados acharam que deveríamos dividir o prêmio, uma fanta laranja e um pacote de biscoito Drink.
http://youtu.be/-VFAOX_CMUk
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1985

Ganhei meu primeiro disco de rock – Ultrage a Rigor. Também foi o ano que comecei a pichar. Acho que estava na sétima série e vi a galera pichando no banheiro de piloto. Primeiro me interessei artisticamente, depois percebi como era interessante as pessoas ficarem perguntando quem havia pichado o lugar tal. Do banheiro passamos à quadra de esportes, depois o pátio e por último a sala da coordenadora.

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1986

Fui para o Senai. Ganhei um ingresso para assistir o show do Plebe Rude no Circo Voador e lá vi um cartaz do Comício de Tudo. Uma série de shows punks que aconteciam às quintas à noite e domingos à tarde. Nunca mais ouvi a rádio Transamérica. A partir daquela noite de quinta com os shows de Garotos Podres, Ratos de Porão, Desordeiros e Distúrbio Social; passei a ouvir só a rádio Fluminense

http://youtu.be/Y5rabKB-CH4

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1987

Havia uma guerra declarada entre o rock e o funk. No baile os caras me chamavam de roqueiro e no rock de funkista. Naquela época não existia o termo funkeiro. Era funkista mesmo. Ir pro baile domingo era uma prática quase que escondida. A Fluminense não tocava ou tocava pouco hip hop, mas tocava reggae e um monte de música de preto. Os skatistas também ouviam bastante Rum DMC, Public Enemy. O filme Faça a Coisa Certa também entrou na ciranda pra ajudar a confundir.
http://youtu.be/XpDzd5Sw5HU
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1988

Estava ficando famoso na pichação. Essa galera era bem mais democrática. Rolava de tudo: funk, punk, junk, yunk… No mesmo ano do filme Colors, caminhava pelo Centro de Caxias quando passei no sebo do Pará e ouvi aquele mesmo som do Ice T, só que cantado em português. Era o disco “Hip hop, cultura de rua”. Perguntei ao Pará que disco era aquele e ele não sabia responder. Levei a bolacha pra casa e a partir daquele dia percebi que também poderia cantar.

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1989

Parei de pichar. O terror da maioridade se aproximava e estava vendo vários amigos não conseguirem parar e acabarem na cadeia. Aproveitei as festas juninas para dar um tempo. Dois meses depois voltaria, mas o afastamento da galera me ajudou a não voltar mais. Já estava quase de maior.

http://youtu.be/eOInMb-Irl0

 

 

 


Cacau Amaral

Cineasta brasileiro. Direção em 5X Favela; 1 Ano e 1 Dia; Cineclube Mate com Angu; Sociedade Musical Lira de Ouro; Programa Espelho e Aglomerado. http://cacauamaral.com/

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3 thoughts on “Mái uêi – Anos 1980

  1. Do caralho, Cacau! Do ca-ra-lho! Tu sabe que eu adoro histórias assim, né? Mas deixa eu te dizer uma coisa: eu também fui àquele show do Plebe Rude, no Circo. Cheguei numa festa, acho que na Tijuca, e encontrei uma amiga, Mácia Pena (não lembro se este era o sobrenome dela ou a chamávamos assim, porque era muito magrinha). Daí, ela foi logo me dizendo que a festa tava fraquinha. Mesmo assim, ficamos lá um pouco. Depois, Márcia me disse que ia embora, pois estava a fim de conferir o show dos caras. “Vamos, Eldemar?” – me disse ela. E fomos. O show foi um barato. Então, você também estava lá, né? E a gente nem se encontrou…

  2. Uma década em um post.
    GENIAL
    O que nós somos está fora da gente… a pixação, a mãe, os ratos do porão, a Maldita… vetores que nos atravessam e produzem nossa subjetividade. Legal perceber a presença da rádio Fluminense

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