Fecha os olhos, respira e visualiza uma praça e sua sinuosa órbita: a carrocinha da pipoca, as paqueras, os bancos, os sonhos, os sábados, as senhas, as árvores que resistem. Pensa numa praça de Imbariê e um bando de jovens cavucando e experimentando esse bagulho de Poesia. Sente a pulsação da parada. Sente a lava borbulhando nos vulcões dentro de cada peito prestes a explodir. É disso que tamos falando.
A voz que querem sempre calar; os corpos que querem sempre paralisar de alguma forma; os sonhos que querem sempre cortar na carne. E a Vida-Verdade que, como o Corisco, não se entrega não. É disso que tamos falando.
O microfone, a garganta, o coração sendo uma caixa de ressonância, o tremor nas mãos, os olhos faiscando, os sentimentos amplificados, a verve eletrizada cumplicemente – algo que traz pra terra o espírito das vozes de muita gente torta e incompreendida que tanto elevaram a Humanidade em momentos de caos.
E agora o lance é publicar, botar no mundo esse troço materializado à moda dos punks e dos cordelistas, fazer circular esse pá, botar pra rolo o contágio. Mó onda boa. É disso que tamos falando.
Cara, a Poesia é mesmo um visgo, acredite, que depois pode virar vício, virar voz, virar multiversos. Mas isso é depois, mais pra frente, e se rolar – isso não é o principal. O principal é o antes. O primordial é a invocação da Poesia como vocalizadora do que ainda resiste de humano em cada um. Aquela parte de nós que luta pra não virar robô nem carvão, cujo único sentido é queimar pra o capital, nas engrenagens sem sentido nenhum que não seja mais uma guerra sem sentido. Não, não é de uma espécie de poeta profissional que estamos falando. Estamos falando do antes, da Arte e da Humanidade que insiste em não morrer em vão. Do Amor e da Amizade nas praças. Na ideia maluca e necessária de que é possível ser o que se é, único e diferente.
Toda vez que um ou mais estiverem reunidos em seu nome, a Poesia estará no meio de nós nos dando mais uma chance. Enquanto tiver zine de papel circulando poemas por aí, enquanto tiver jovens vivos acreditando que as coisas podem ser diferentes, ainda teremos chance.
A Poesia é sempre uma oportunidade pra falar daquilo que tá lá dentro e que não quer viver trancado e negado; uma oportunidade pra viver de verdade. É disso que tamos falando.


[heraldo hb, novembro de 2018, sobre o primeiro zine do slam poético de imbariê]


heraldo hb

. Animador cultural, escritor e produtor audiovisual nascido no século XX. .

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