Baía de Guanabara: pescadores lutam há quase 15 anos por indenizações

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A maior tragédia ambiental do país — o derramamento de 1,3 milhão de metros cúbicos de óleo e graxa da Refinaria Duque de Caxias nas águas da Baía de Guanabara — completará 15 anos daqui a dois meses. E, para 18.186 pescadores e suas famílias, os problemas surgidos no dia 18 de janeiro de 2000 ainda não acabaram. Até hoje eles não receberam um centavo sequer da indenização prevista na sentença anunciada pela 25ª Vara Cível do Rio em abril de 2005. De acordo com a decisão, confirmada pela 1ª Câmara Cível, cada pescador deveria ganhar R$ 754,11 por mês, ao longo de dez anos, por causa dos danos causados pelo acidente e por terem sido impedidos de jogar suas redes no mar. Após uma série de recursos, a sorte dos pescadores mudou de rumo: a última decisão prevê um único pagamento — do mesmo valor estabelecido anteriormente — porque a Justiça entendeu que a pesca só ficou prejudicada por 45 dias.

Foto do biguá agonizando na baía de Guanabara e que infelizmente se tornou um símbolo do desastre. Não esquecermos para que isso nunca mais ocorra!
A batalha judicial continua. Há recursos da Federação dos Pescadores do Estado do Rio de Janeiro (Feperj) e da Petrobras no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF). Os pescadores tentam recuperar nesses tribunais o pagamento da indenização mensal ao longo de dez anos. Já a Petrobras quer reduzir para 3.339 o número de trabalhadores aptos a receber a reparação financeira pelo desastre ambiental.

Sem revelar valores, a Petrobras alega que já indenizou, sem obrigação judicial, 8 mil trabalhadores que, segundo a empresa, viviam da pesca na Baía de Guanabara na época do acidente. A empresa também informa que entregou 8 mil cestas básicas aos pescadores e pagou reparos em barcos, currais e redes.

ATIVIDADE ENFRENTA GRAVE CRISE

O derramamento de óleo e graxa é apontado pelo presidente da Feperj, José Maria Pugas, como o marco do declínio da atividade pesqueira na Baía de Guanabara. Além de culpar os danos ao meio ambiente pelo encolhimento do setor, ele diz que a pesca artesanal agoniza devido ao permanente crescimento da indústria petroleira, que toma cada vez mais espaço com navios de carga, reboques, aterros e dutos de gás e óleo.

— A indústria do petróleo é a maior inimiga da pesca no Estado do Rio — afirma Pugas.

Segundo o presidente da Feperj, a região mais afetada é o chamado Fundo da Baía, que fica entre o Caju, Ramos, a Ilha do Governador e Magé. Pugas diz que, nessa área, é possível ver, na beira d’água, resíduos de óleo do derramamento de 14 anos atrás ou de vazamentos crônicos de navios, reboques e dutos.

De acordo com o presidente da Associação Livre dos Pescadores, Bruno Amaral, o número de pescadores no cais do Caju caiu drasticamente depois do desastre ambiental. A colônia Z-12, que já foi a maior do país, alcançando a marca de 3 mil associados, hoje não consegue reunir uma centena.

— Antes do derramamento, tínhamos mais de 30 traineiras fazendo pesca de cerco. Atualmente, são apenas três — lamenta Amaral.

A redução no número de barcos se dá pelo desaparecimento dos peixes. Segundo Amaral, a Baía era abundante em sardinha, corvina, tainha e camarão, que têm grande procura em feiras e supermercados. Agora, ele diz, só o que vêm nas redes são sardinha-da-boca-torta e savelha, peixes usados para a produção de ração animal que não valem mais do que R$ 0,25, o quilo.

Armando Santana trabalha há 40 anos na Baía. Ele lembra que, antes de 2000, conseguia encher uma embarcação com capacidade para 15 toneladas de pescado ao fim de um bom dia de atividade. É algo que, atualmente, considera impossível acontecer.

— Recentemente, meu filho passou uma noite inteira trabalhando e chegou em casa com dez quilos de camarão. Vendendo o quilo a R$ 25, sem atravessador, conseguimos R$ 250. Tirando R$ 100 para o combustível, sobram R$ 150 — conta Santana, acrescentando que o lucro ainda é dividido com outras três pessoas de sua equipe.

A expansão da indústria petrolífera reduz as áreas de trabalho para pescadores. De acordo com José Maria Pugas, pouco mais de 30 rebocadores ficavam na Baía de Guanabara antes do desastre ambiental. Hoje, esse número estaria próximo de 200. Entretanto, o maior problema apontado pelo presidente da Feperj é a construção de dutos subaquáticos para o transporte de óleo e gás. Essas tubulações, ele diz, seriam revestidas com um produto que evita o crescimento de corais.

— Não sei se esse tipo de produto é usado nos dutos da Baía de Guanabara. Se for utilizado, certamente prejudica a fauna e a flora marinha — observa Alexandre Azevedo, doutor em oceanografia e professor da Uerj.

PETROBRAS: EFEITOS SÓ DURARAM 30 DIAS

Em nota, a Petrobras informa que estudos científicos encomendados pela empresa comprovaram que os efeitos do derramamento de óleo e graxa em 2000 desapareceram em cerca de 30 dias. A companhia nega que o material usado em seus dutos representem qualquer risco para a vida marinha. A Petrobras também destaca que utiliza 38 rebocadores, e que “apenas uma parcela fica eventualmente fundeada na Baía’’.

Segundo a Petrobras, foram destinados R$ 15 milhões para o Ibama promover a revitalização da Baía de Guanabara. A empresa ainda informa que patrocina projetos ambientais em comunidades do entorno e lembra que assinou um convênio de R$ 40 milhões com a Secretaria estadual do Ambiente para investimentos em municípios da região.

O MAIOR DESASTRE AMBIENTAL DA HISTÓRIA DO BRASIL

Na manhã do dia 18 de janeiro de 2000, um duto da Petrobras que ligava a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) ao terminal Ilha d’Água, na Ilha do Governador, se rompeu, provocando o escoamento de 1,3 milhão de litros de óleo combustível e graxa nas águas da Baía de Guanabara. A mancha se espalhou por mais de 40 quilômetros quadrados, afetando a fauna e a flora locais, além da vida de milhares de famílias que viviam da pesca. A foto de um mergulhão agonizando, publicada pelo GLOBO, dava a dimensão da tragédia.

Considerado um dos mais graves desastres ambientais da América do Sul, o derramamento não causou apenas a poluição do espelho d’água da Baía de Guanabara. Houve contaminação das areias, de costões rochosos, muros de contenção, pedras, lajes e muretas das ilhas do Governador e de Paquetá.

Os prejuízos se estenderam à vegetação de mangue existente no entorno da Ilha do Governador e provocaram uma drástica redução das atividades turísticas em toda a Baía, principalmente na visitação à Ilha de Paquetá. Outros municípios também foram afetados. A área de proteção ambiental (APA), na cidade de Guapimirim, foi duramente atingida pelo derramamento de óleo.

Responsabilizada pelo desastre em um laudo técnico elaborado pela Coppe/UFRJ, a Petrobras divulgou um comunicado após o acidente no qual reconheceu não haver desculpas para o desastre e se comprometeu a tomar as medidas necessárias para recuperar o ecossistema local.

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Fonte: O GLOBO, 03/11/14


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