Professor Hermógenes
Acabo de ler um texto brilhante sobre normose, assinado pelo professor Hermógenes, que gostaria de trazer aqui para uma reflexão e, talvez, um debate. Antes, se faz necessário esclarecermos alguns pontos. O que significa normose? É uma palavra criada pelo próprio, pra designar uma situação imposta aos indivíduos pela sociedade dita “moderna”. E quem é Hermógenes (1921-2015)? Foi um professor e escritor potiguar, que se notabilizou como divulgador do hatta ioga no Brasil. Por fim, não é preciso ser adepto desta filosofia para absorver o pensamento do autor.
Bem, dito isso, vamos direto ao assunto. Segundo ele, “o ser humano está sofrendo de NORMOSE, a doença de ser normal. Todo mundo quer se encaixar em um padrão. Só que o padrão propagado não é exatamente fácil de se alcançar. O sujeito ‘normal’ é magro, alegre, belo, sociável e bem-sucedido. Bebe socialmente, está de bem com a vida, não pode parecer de forma alguma que está passando por algum problema. Quem não se ‘normaliza’, quem não se encaixa nesses padrões, acaba adoecendo. A angústia de não ser o que os outros esperam de nós gera bulimias, depressões, síndromes do pânico e outras manifestações de não enquadramento”.
E prossegue: “A pergunta a ser feita é: quem espera o quê de nós? Quem são esses ditadores de comportamento a quem estamos outorgando tanto poder sobre nossas vidas? Eles não existem. Nenhum João, Zé ou Ana bate à porta exigindo que você seja assim ou assado. Quem nos exige é uma coletividade abstrata que ganha ‘presença’ através de modelos de comportamento amplamente divulgados. Só que não existe lei que exige que você seja do mesmo jeito que todos, seja lá quem for todos. Melhor se preocupar em ser você mesmo. A normose não é brincadeira. Ela estimula a inveja, a autodepreciação e a ânsia de querer o que não se precisa. Você precisa de quantos pares de sapato?”
O texto vai além, mas o que já foi dito serve para ilustrar uma situação que vivi ontem, durante o velório de uma jovem amiga. Nas várias capelas do Cemitério Nossa Senhora do Belém, em Duque de Caxias, haviam diversas pessoas prestando homenagem a familiares ou amigos antes do sepultamento. Comentei com uma pessoa do meu círculo de amizade, que eu não gostaria que, ao morrer, levassem meu corpo pra ser velado em locais como aqueles. E acrescentei que já dera ciência aos meus filhos e à galera mais chegada sobre este desejo. A pessoa em questão tem perfil bastante assemelhado ao descrito por Hermógenes, e quis saber o motivo desta decisão.
Expliquei rapidamente que, na condição de “boêmio profissional”, sempre vivi cercado de iguais: bebedores contumazes, amigos da noite, frequentadores de botecos de “má fama” e artistas, muitos artistas. Logo, se meu corpo for velado em capelas, com música ao vivo e a presença desse “tipo de gente”, pode gerar mal estar entre os presentes a outros velórios, que vão considerar tudo uma “baderna, uma “falta de respeito” com a dor alheia. A interlocutora reagiu:
– Não, isso não pode. Velórios têm que ser feitos em capelas no cemitério. É lei.
– Que lei? Onde está escrito isso?
Ela não soube responder. E de nada me adiantou argumentar que se assim fosse, não se realizariam velórios na Câmara de vereadores da cidade, no Theatro Municipal do RJ nem no Parque Lage, onde aconteceu verdadeiro happening na despedida de Glauber Rocha, de corpo presente. Não. Não chegamos a um consenso. Ainda falta muito pra que certas pessoas entendam que “o normal de cada um tem que ser original. Não adianta tomar para si as ilusões e desejos dos outros” – como disse o professor Hermógenes..
Professor Hermógenes

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