Manhãs com aroma de eucaliptos
A crônica desta noite é pra geração jovem ou aos que estão chegando por agora na grande região do Pantanal, Duque de Caxias, principalmente na histórica Vila São José, que neste ano completa 63 anos de vida.
Quando virem alguém passar, cabelo prateado, andar vagaroso, parando, às vezes a olhar o céu como a buscar alguma imagem, não zombe; Ele tem grandeza.
Chegou aqui tangido por uma inclemente tempestade que varreu seu lugar do mapa; dezembro de 1958. Veio com milhares que perderam tudo, menos a Esperança de dias melhores pras suas famílias. Coube ao Dr. Tenório Cavalcanti prestar socorro imediato. Ligar pro Presidente J.K. que mandou grana pra levantar as milhares de casinhas a toque de caixa. A região escolhida foi uma grande área no chamado Pantanal. Mandou, além da construtora, Médico, Posto Policial, Escola de ponta, Igreja Católica com Dom Odilão e Padre Luciano, campos de futebol, Luz, Água, Esgoto, Dignidade. Até Atestado de Nascimento tinha a Vila São José, tida, à época, como modelo de habitação popular pra todo Brasil. Sim, essa geração prateada, firmou com seus pés adolescentes o chão por onde passas agora; mais respeito.
Principalmente se você nunca fez um lançamento de três dedos pra um certo ponta esquerda chamado Baquinha que fechava da ponta pro meio levando dois, três pra trás e era imarcável. Foi assim que uns meninos, só no primeiro tempo, destroçaram o infanto do Vasco da Gama num categórico 3 a 0. Gols de Claudinho Cocô(2) e Baquinha. Junho de 1973. eu era o camisa oito. E mais. Você sabe lá o que é dialogar num meio campo com Baíco, Escurinho, Lutércio? Eu dialoguei. Ouvir gritos dos grandes capitães Bolão, Massangana, Carlos Augusto, Moiseisinho, Misael de “Vamos virar essa porra!!!!” Depois de um gol infantil? A gente sempre virava. Não sei se era aquele cheiro dos eucaliptos que nos refrigerava, mas a gente sempre virava.
Você deveria ter visto a dupla Paulinho Binha e Pardal. Eu vi. Leno batendo falta no campo dos eucaliptos e sua cerquinha branquinha…Arengueiro arengando, Zé Afonso apitando jogo com um revólver “trezoitão” enferrujado. Depois de tudo, beber um caldo de cana na barraca do Bil…
E seguir pro bar da Lena, da Paquinha e sua “passarinha” imbatível, no bar do Geraldo Heleno que só admitia Brahma. No do Seu João Paraiba. Ou no bar “O Cafona”, da Portuguesa e suas filhas.
Ah…sabia que a gente comprava carne de boi abatido na hora pelo Seu Antonio? Carne de porco idem do seu Chico do porco? E estamos aqui até hoje! Cortar o cabelo no Seu Oswaldo ou no Otacilio e sair de lá com aquela ilhazinha na cabeça? E levando “selinho?!
A gente dançava quadrilha na Dona Paula da rua 20 ou na tio Barnabé. Arriscava umas palhaças e tudo era festa. Tinha os Guerreiros das Alagoas do seu Zeca e Dona Rosa na rua 20. Os cristãos em luta contra os mouros. A rainha era Jane, filha de Dona Jacira, E tinha que ser protegida a todo custo. Você já protegeu alguma rainha? Duvido. Já subiu o morro pra jogar ronda e descer de lá correndo do sexto batalhão e entrar na Chácara do Dr.Tenório? Território neutro? Tinha a turma do P de Valmir Oliveira e a galera dos Smurfs, na Vila Rosário. Rivalidade e talento dos meninos. E os encontros no campo do Cerâmica ou Brasil entre Vila e Morro do Sossego? Você é todo mi mi mi….Neymar demais. Queria ver você dividinho uma bola com Vovô, Rubens, Bolão!
Jogando um “rachão” valendo contra Biara, Tição, Siri, Zé Tourão no campo da Fundação.
A gente ostentava com roupas feitas no Cunha. Ia pro clube Fundação dançar coladinho ao som dos Night Birds, de Lucio e Fernando, Labaredas, Maracajás e Devaneios. Depois arrastar a namorada pra “rua 21”, que era beira do hoje Morro do Kakareco. Pra fazer o quê? Você está querendo saber demais. sigamos!
A gente aprendia a andar de bicicleta com Seu Luiz ou Russo. Alugava por meia hora e aparecia uma hora depois. A gente menino era protegido pela nossa heroína Elza Boi, que botava marmanjo pra correr. João Macaco, quando o sol era forte, atravessava a Vila urrando e batendo no peito até o ABC. Diziam que era mal de amor…Ver a Educação hoje…excludente, elite…a gente aprendia no Educandário Maria Tenório a amar a pátria com o Professor Moisés Trajano da Silva e sua Moral e Cívica. A escrever direitinho com Julio e Graça. Claudino e Ediélio nos contava a verdadeira História e Celeda, a lenda, nos ensinava as estradas do mundo pra gente não se perder. Ninguém se perdeu. Marinaldo e sua banda campeã… concursos de Poesia, futebol de salão e música. Se você quer saber, eu já cantei “Mon amour meu bem ma femme”…Aprendi a desatar nós quando Lobinho do Grupo de Escoteiros Tiradentes do majestoso Chef .Rubens. Ia a excursões beijar nossa Mãe Aparecida com seu Wantuil da rua 20. Sim, hoje tem Zezinho da rua 5 e Seu Antonio Careca…aprovo.
Só não aprovo a indiferença, A velocidade e a estranheza dos novos habitantes da histórica Vila São José. Respeitem quem pode chegar onde a gente chegou e firmou esse chão pra vocês passarem. Somos de um tempo em que nossas manhãs tinha cheiro de eucaliptos e beijava a mão de pai e mãe…
Respeitem essa gente vagarosa e prateada…eles tem grandeza.
(C.A.)