Duque de Caxias: a dimensão municipal de um golpe de Estado

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O município de Duque de Caxias (RJ) figura entre os principais exemplos dos desdobramentos do golpe em nível municipal. Também pudera, o atual prefeito é Washington  Reis (PMDB), aquele que brigou para ser o primeiro voto pelo golpe; foi tropa de choque de Eduardo Cunha na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados; interrompeu a campanha a  prefeito para ir à Câmara para votar a favor da PEC do fim do mundo; foi correndo visitar na cadeia o ex-governador Sérgio Cabral.

Durante a campanha, WR garantiu que não iria retirar direitos do funcionalismo e que  colocaria em dia os salários dos servidores. Disse também que não era aceitável o discurso de Alexandre Cardoso (PSD), então prefeito, de que o município não tinha dinheiro para pagar seus funcionários. De fato, o discurso de queda na arrecadação não convencia os candidatos da oposição, tampouco os servidores municipais, afinal, trata-se de uma das maiores arrecadações do país graças à Refinaria de Duque de Caxias (REDUC-PETROBRAS). Nos seus primeiros dias de governo, WR proferiu a frase que entrará para a história anedótica municipal: “Duque de Caxias está na contramão da crise.” No entanto, o que se vê hoje, após sete meses e meio de governo, é um cotidiano de pagamentos sem data para acontecer e o discurso da crise como justificativa para o maior ataque que os servidores já sofreram. Ataque esse desfechado das mais diversas formas.

O golpe: seus objetivos e a escala municipal

Uma das finalidades do golpe aplicado à presidenta Dilma era aprofundar a exploração da classe trabalhadora no Brasil, seja por meio de leis específicas – como a contrarreforma trabalhista – seja com leis gerais – como a Emenda Constitucional (EC) do fim do mundo. Hoje, essas duas táticas vêm sendo desdobradas em políticas municipais lideradas por Washington Reis.

Vale aqui uma digressão sobre o lugar de WR na política fluminense e nacional. O clã Reis é o segundo clã mais poderoso do PMDB-RJ, ficando atrás apenas dos Picciani. Washington lidera os irmãos Rosenverg Reis, deputado estadual; e Divair Alves de Oliveira, o Júnior Reis, vereador em Duque de Caxias. Não seria nada demais não fosse a posição do município na política e nas economias regionais e nacionais. Em termos eleitorais, o município é terceiro  maior colégio do estado e décimo sétimo do país. Em termos econômicos, terceiro maior PIB do estado e 22º do país. Com a prisão de Cunha e Cabral e com a justiça rondando Eduardo Paes, o alcaide caxiense figura hoje, junto a Jorge e Leonardo Picciani e Moreira Franco, entre os maiores nomes do PMDB no terceiro maior colégio eleitoral da federação e na segunda maior economia do país.

A fim de destruir o Estado e aumentar o nível da exploração dos trabalhadores no município, Reis apresentou o seu pacote de maldades no início do mês. O pacote é uma declaração de guerra ao funcionalismo de modo geral e ao magistério especificamente cujo plano construído, com muito suor ao longo de anos de luta, foi desmontado em minutos pelo prefeito e sua base parlamentar.

A progressão de níveis foi reduzida de 12% para 6%, criando uma situação inconstitucional uma vez que acaba com a isonomia entre os servidores, pois haverá funcionários num mesmo nível com vencimentos distintos. O enquadramento profissional tornou-se ainda mais difícil. Não obstante seu veto ao servidor em estágio probatório, agora cada solicitação deverá ter no mínimo três anos de interstício. Ou seja, um docente que conclua uma especialização e um mestrado em sequência terá de esperar o interregno para solicitar novo enquadramento, uma vez que o tempo médio de um mestrado é de dois anos. Deste modo, trabalhará em média um ano com salário defasado.

A regência (20% para professores do primeiro segmento e 10% para os do segundo) não mais será calculada a partir do vencimento do nível do funcionário. Doravante, todas terão como referência o primeiro nível da categoria. Desse modo, um professor do segundo, em início de carreira, terá um prejuízo de R$ 90,00 ao mês. Um que tenha dez anos de carreira perderá, R$ 170,00.

A contribuição previdenciária passou de 11% para 14%. Um professor de segundo segmento, em início de carreira, contribuiria com mais R$ 96,00. Um com dez anos de casa, mais R$ 120,00. Somando as perdas na regência e no desconto previdenciário, o servidor perderá R$186,00 e R$ 290,00, respectivamente. Vale reforçar que essas perdas passam a valer já no próximo salário.

Por um lado, a contrarreforma trabalhista deverá devolver ao desemprego estrutural associado a uma queda brutal do padrão de vida de toda a classe trabalhadora. Por outro, a PEC do fim do mundo limitará o aumento do gasto público com educação. A combinação disso é um círculo vicioso. O desemprego e a redução dos salários derrubarão o consumo e a arrecadação. Como resultado, cada vez mais famílias recorrerão à educação pública, contudo, a prefeitura não poderá contratar professores por conta do teto dos gastos, limitados à inflação do ano anterior. Ou seja, haverá um aumento da demanda por educação pública que não poderá ser atendida.

Esse quadro imporá enormes sacrifícios aos professores. Atualmente é a categoria que paga pelos pincéis de quadro, apostilas etc. (Vale observar que professores já denunciaram a falta de papel higiênico nas escolas). Além do número de alunos por turma, que já é alto, crescer, os prejuízos financeiros e as dificuldades de progressão por merecimento invariavelmente produzirão reflexos negativos na motivação dos profissionais. Se a categoria perde, a população perde muito mais. Dessa forma, o sucateamento da educação trará problemas para o aprendizado dos filhos da classe trabalhadora caxiense.

A aplicação do golpe: reações e desdobramentos

Logo no início do mandato de WR, começou um burburinho acerca de um pacote de maldades. O prefeito desmentiu várias vezes. Garantiu que nada que interferisse na carreira do magistério seria feito sem que sindicato e categoria fossem chamados. Mas a natureza de um golpista é a traição e a truculência. E, tal qual na fábula do escorpião e do sapo, WR não negou sua essência: apresentou o pacote de maldades com solicitação de regime de urgência. Sua base na Câmara tratou de atendê-lo e em dois dias pôs o pacote em votação.

Não contavam governo e vereadores situacionistas com a articulação da categoria dos profissionais da educação. No dia da votação em plenária, a Câmara estava repleta de professores, que tanto fizeram que obstruíram a votação. Não sem muita violência. Havia, na ocasião, mais “seguranças” não identificados (pagos a soldo sabe-se lá de quem) do que seguranças da Casa. Durante a entrada dos professores, esses “agentes” não identificados bateram em vários educadores, vale ressaltar que a categoria é formada majoritariamente por mulheres. A violência prosseguiu a fim de diminuir o número de militantes no plenário. Mas foi decretada a ocupação da Câmara.

Contingentes da PM e da GM foram chamados. A tensão aumentou. Chegou a noite e com ela a vigília de professores que da rua apoiavam os que ocupavam o plenário. A PM cercou o prédio de modo a impedir que os ocupantes recebessem alimentação, no que foram malogrados: a partir das janelas partiram camisetas amarradas para puxar a comida para dentro do plenário. Por volta das 11h, os vereadores votaram mesmo com o plenário ocupado. Em cinco minutos demoliu-se o plano de carreiras construído ao longo de trinta anos de luta.

Em ato contínuo, a categoria passou a desgastar os vereadores. Milhares de panfletos foram distribuídos por toda a cidade, inclusive na feira de domingo, a maior feira ao ar livre do estado. Os panfletos eram honestos e objetivos: apresentavam foto e nome dos vereadores que votaram contra a educação. Acusando o golpe, os vereadores convocaram uma reunião com a direção do SEPE. Prometiam rever a situação caso o SEPE se retratasse, afinal, os parlamentares estavam recebendo ligações e e-mails questionando o porquê do apoio à destruição da educação no município. Fala-se de vereadores que não conseguiam mais ir à padaria ou à igreja.  A categoria não só não se retratou como intensificou o desgaste. Então, começaram os ataques virtuais: cabos eleitorais dos vereadores que votaram pelo projeto começaram a divulgar, pelas redes sociais, “memes” com os nomes, lotação e salário de vários professores, reforçando a mentira de que os docentes de Duque de Caxias são ricos.

Foto divulgação – SEPE- CAXIAS

Outra guerra de informações que o governo e seus apoiadores no parlamento e nas  ruas refere-se à divulgação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) do município. Em atitude desonesta, vereadores governistas passaram a creditar exclusivamente aos professores a baixa nota do IDEB da rede pública de Caxias. Atitude de extrema má-fé, afinal desconsidera os fatores estruturais, sociais, econômicos e ambientais que interferem no rendimento dos alunos. Ou será que é possível ter rendimento satisfatório em escolas em que os laboratórios de informática (onde existem) não comportam nem mesmo meia turma; não há  bibliotecas, não há ar-condicionado; os alunos não podem permanecer no contraturno; não há cortinas blackout; há goteiras, piscinas aterradas etc.? É possível alcançar bom desempenho de uma população predominantemente negra que é submetida permanentemente ao racismo estrutural da sociedade brasileira; que vê seus dotes físicos sendo ridicularizados todo dia na televisão? Pode-se exigir bom rendimento de alunos cujos pais mal ganham o suficiente para a subsistência? É possível cobrar bom desempenho de alunos que convivem com valões e vivem em um ambiente sem árvores ou praças? Finalmente, é justo requerer boas notas de uma população exposta à violência armada, seja da polícia, da milícia ou do tráfico?

Para não concluir

Mais de um ano após o vergonhoso 17 de abril, o que a esquerda dizia à época comprovou-se: o golpe não era contra a Dilma, e sim, contra o povo brasileiro. De lá para cá, o que temos é expressão mais cristalina da luta de classes. A burguesia brasileira desfechou o mais duro ataque à classe trabalhadora em nossa história. O que ocorre em Duque de Caxias é só um, entre tantos outros exemplos. Há que se aplaudir, contudo, a resistência que o professorado da cidade vem oferecendo. Esse é o lado positivo da conjuntura municipal, afinal, muitos profissionais da educação que não participam das assembleias e das greves aderiram ao movimento. Símbolo maior disso foi a assembleia do dia 7 de agosto, a maior assembleia de muitos anos, com quase mil participantes.
Na última assembleia (22 de agosto), o coletivo de professores de Duque de Caxias optou por sair da greve após a promessa de que o prefeito recuaria em alguns pontos. A ver. É sabido, contudo, que se ele descumprir, não será a primeira vez.
A história do capitalismo é também a história da resistência ao capitalismo. Por isso, o confronto dos últimos dias na cidade é só mais um pequeno capítulo na história da luta de classes no Brasil. Essa história não acabou só por um motivo: professores e professoras de Duque de Caxias já deixaram claro que haverá resistência.

 

Foto divulgação – SEPE- CAXIAS

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*Matheus é Bacharel em Geografia  e Professor da Rede Municipal de Duque de Caxias


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