Capoeira como espectro de futuro
Longe da habitual discussão sensacionalista que envolve as favelas existe um outro lado que vale todas as menções possíveis, o qual pessoas habituadas a pensar no coletivo e no futuro dos jovens negros, vêem na capoeira um papel muito importante como meio de integração social.
Como uma dessas pessoas que pensam no coletivo Mestre Monge se destaca. Há mais de 50 anos na capoeira, nascido na favela da Mangueirinha, localizada no bairro do Centenário em Duque de Caxias, este também é o local por onde Mestre Monge é mais atuante, apesar de ser reconhecido por toda cidade. Foi agraciado duas vezes na Câmara Municipal de Duque de Caxias, uma como melhor Mestre de Duque de Caxias e a outra com a Medalha Zumbi dos Palmares, também foi agraciado na Câmara Municipal de São João de Meriti com o certificado Abolição da Escravatura. Mestre Monge é professor de capoeira na escola do Acebs, na Associação Terra dos Homens e salão do Léo Taí, todos na Mangueirinha (além de ser há vinte anos o Mestre residente do Ponto de Cultura Lira de Ouro, no centro de Caxias).
O professor capoeirista diz que seus ensinamentos são mais focados nos fundamentos do que na técnica. Saber da história da capoeira é uma das grades curriculares para todo aluno capoeirista, por isso saber de toda a conjuntura histórica que envolve a capoeira dá toda uma dimensão de empoderamento para um jovem negro favelado, por seus aspectos serem exaltados. Capoeira é patrimônio cultural mundial, é um esporte mundialmente praticado, é dança, é arte, é história afrobrasileira, mas a visão de um jovem negro favelado vê todo santo dia sua raça sendo composta como a maior nos presídios, maior não alfabetizada, sendo a que mais morre, a que compõe o grande número de desempregados, recebendo papéis nas novelas que só demonstram a visão do homem branco em relação a população negra na sociedade e outras formas de opressão que compõem o racismo estrutural. Por isso o papel da capoeira também é de olhar uma outra perspectiva que envolva o jovem negro positivamente na sociedade.
A capoeira como papel disciplinar, educacional, empoderador é fundamental mas com ela a implementação da lei que obriga as escolas ao ensino da história e cultura africana e afrobrasileira (10.639) precisam ser cumpridas, pois a lei ainda enfrenta dificuldades. Com isso a comunidade capoeirista ainda enfrenta preconceitos por desconhecimento de sua história, o que também acaba levando ao racismo religioso. Por isso Mestre Monge faz parte do conselho de mestres da Federação Brasileira Cristã de Capoeira, dentro da grande diversidade que existe dentro da capoeira como a regional e a angolana, a fim de discutir a intolerância .
Dos inúmeros alunos formados pelo Mestre Monge, um que sintetiza bem os ideais dele é Alberto Santana, o Mestre Calado, há mais de 25 anos dentro da Capoeira, bastante reconhecido dentro do Centenário pelos seus trabalhos como capoeirista. “A capoeira mexe com a autoestima do jovem negro, molda o potencial da criança que não sabe disso. A capoeira é uma forma de olhar o mundo diferente”, diz Mestre Calado sobre sua visão da capoeira ao jovem da Mangueirinha. Alberto também fala sobre discriminação em sua trajetória na capoeira, “você quer fazer capoeira, isso é coisa de malandro”, conta ele sobre sobre discriminação sofrida. Calado consta ainda que a falta do conhecimento trás essa discriminação, que a capoeira não está do jeito que a gente queria mas hoje as portas estão mais abertas. “Hoje vemos a capoeira nas escolas, na academia, é um instrumento que transforma a vida de vários jovens e resgata também ,como processo de formação de caráter”. Dentre tantas coisas ditas pelo Mestre Monge uma é primordial para o jovem favelado e para a vida de qualquer pessoa, “a importância da capoeira na vida do jovem é também de um olhar interior em relação aos seus próprios conceitos”. Independente do que tenham vivido com seus pais, “do próprio olhar paterno que os alunos têm em relação a mim”, se torna, pessoas melhores, a disciplina supera qualquer frustração parental e faz com que os alunos as superem, perdoando, superando os conflitos internos”, diz Mestre Calado. A capoeira é mais que um esporte na vida de um jovem favelado, por isso para quem na maioria da vida numa favela é criado por mãe solo, fora do padrão social de “família tradicional brasileira” idealizado pela elite branca, ter toda essa base de vida dentro da capoeira, é muito significativo.
Por isso a figura do Mestre está englobada à capoeira, entretanto a capoeira ainda não é valorizada, muitos não conhecem a figura do Mestre Monge e do Mestre Calado dentro da Mangueirinha. Muitos Mestres têm que sair do Brasil para serem reconhecidos, fora o próprio reconhecimento da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer que tem um papel importantíssimo para o desenvolvimento de políticas públicas pertinentes ao esporte e lazer, porém muitos projetos na Mangueirinha lutam pela atuação desta secretaria para o auxílio de seus projetos esportivos. Mas com tantos desafios a enfrentar pensar no coletivo é exaltar a longevidade e perseverança dessas pessoas que lutam para mudar a narrativa imposta por quem só quer mostrar ao público consumidor do conteúdo sensacionalista que favela também é cultura e lazer.
Pedro Vinícius Lobo Gomes – 26 anos, morador da favela da Mangueirinha, vascaíno e integrante do Movimenta Caxias e do pré-vestibular comunitário +Nós
Não é o que eu pesquisei mais o assunto é bom