As urgências, os afetos e as redes no Território Baixada
A concepção de um projeto como o Território Baixada passa, necessariamente, pelo tesão e pela urgência. Tesão, e tesão puramente político, de trazer pro palco do SESI Caxias debates sobre experiências e vivências estéticas que, há décadas, vitalizam e resignificam essa grande periferia. Passa também pela tentativa urgente de renovar os discursos sobre a produção de cultura na Baixada Fluminense que precisam concorrer com os discursos oficiais da violência, da miséria, da carência. Discursos que servem aos interesses das prefeituras locais, da mídia tradicional e que não passam, nem sequer, perto da rica e complexa rede de produção simbólica, expressiva e estética que esse território sustenta.
Vontade de ouvir quem faz a roda girar. Homenagear os bandeirantes que inspiram a cena quente que temos hoje na região. Vontade de intercambiar gerações, investigar processos de um mapa cultural que assume a poiesis como poder e aponta rotas de fuga para pensarmos a região além sangue e carência. Circuitos cineclubistas, saraus poéticos, blocos carnavalescos, folias de reis, rodas de capoeira, bibliotecas comunitárias, mostras e companhias teatrais, festivais de rock, entre tantas outras manifestações que afirmam qualidades político-estéticas de verdadeiros laboratórios de políticas públicas originários de movimentos criativos populares.
Da necessidade de conectar obras fundamentais desse grande mapa, a programação do Território Baixada passeou por debates, intervenções poéticas, circenses e musicais, espetáculos teatrais e exibições de filmes realizados por grupos e artistas locais, além de uma exposição afetiva, de imagens e objetos, em homenagem a três coletivos cujos repertórios marcaram a produção artística da região: TV Maxambomba, Imaginário Periférico e Desmaio Públiko.
O primeiro encontro, Mapa-Mundi Daqui: Rotas que Inspiram, celebrou o 30 de abril, o Dia da Baixada Fluminense, convidando os grupos homenageados a contarem suas singularidades, desafios e guerrilhas em comum. E foi emocionante! Importantes traços e passagens da memória local de uma Baixada dos anos 80, 90 e começo dos 2000 que experimentava possibilidades dos movimentos audiovisuais populares, que acordava com sob os urros dos poetas marginais e que alimentava o imaginário de grandes artistas plásticos e performers. Mauro Costa, professor e pesquisador da Febf/UERJ, mediou o papo. Ao final, Ronald Duarte levou o público pra rua e realizou sua intervenção Mandala.
Planos Cinematográficos entre Outras Trilhas reuniu Getulio Ribeiro, Paulo China, Diego Bion e Cacau Amaral em torno das produções, das sessões e dos projetos desenvolvidos pelo movimento cineclubista da região, bem como as obras capitaneadas por novos diretores – já premiados – como Getulio, por exemplo. Ao final rolou a exibição do recém lançado Donana, novo doc do Cacau Amaral, do Cineclube Mate com Angu.
Sobre a ocupação de espaços públicos por coletivos que fazem das praças seu principal suporte, o Território Baixada recebeu Maracatu Baque da Mata, Meeting of Favela e Roque Pense! para denunciarem os abusos e os descasos sofridos pelas gestões municipais de cultura, resultados de governos autoritários, herança maldita da história política local. Marcas Urbanas e os Espaços de Difusão contou com o lançamento das reivindicações do “Manifesto na Velha Iguassú” pelo coletivo Roque Pense, realizador, na região, do maior festival de cultura antissexista do país. A banda Tree, com seus músicos que ocupam as praças, calçadas e as ruas, encerraram a noite com seu som instrumental-rocker-jazzístico e passaram o chapeu.
O projeto também debateu Produção Cultural através do eixo Produção de Cultura no Front: Zonas de Potência, Guerrilha e Ativismo que contou com a presença do pesquisador Alexandre Marques, citando os processos de resistência dos grupos de culturas tradicionais da região, de Fabio Santini, gerente de Cultura e Arte do SESI Cultural de Duque de Caxias e com Dani Francisco, da Terreiro de Ideias, a primeira produtora cultural da região. O espetáculo Procura-se, da Cia EmCena SESI de Teatro, encerrou o encontro com sua montagem-soco-no-estômago.
Por uma Cartografia Cultural do Território ou Movimentos que Libertam: Memória, Política e Rebeldia convidou pesquisadores e professores que se debruçam em estudos sobre a história e a preservação dos patrimônios locais. Tania Amaro, Antonio Augusto Braz, Marlucia Souza e Marcus Monteiro transformaram o debate numa incrível aula de cidadania e defesa da nossa história. A exibição do documentário Praça do Skate, do iguaçuano Paulo China fechou a noite.
Escrita, Anarquia e Outros Gritos colocou a Literatura e o HQ no centro do debate.
João Carpalhau, da CAPA Comics, Tubarão, poeta marginal e Marlos Degani, poeta do Desmaio Públiko, papearam sobre os processos de criação e o lugar dos escritos, dos quadrinhos e da ficção na Baixada Fluminense! O mediador Heraldo HB, com dois livros publicados e uma vasta trajetória na militância cultural da região, também compôs o debate chapa quente. Miguel Bezerra, um dos maiores repentistas do país se apresentou com o melhor de suas rimas e seus improvisos.
O último debate Outras Linhas de Fuga: Instruções para uma Produção Sonora Independente celebrou a musicalidade do território e reuniu os músicos Dida Nascimento, Beto Gaspari e Marcelo Peregrino que falaram das experiências coletivas, das alternativas de produção e do xote, do rock, do reggae na região. Depois,1 show do selo independente Pirão Discos, lançando o mais novo trabalho de Marcelo Peregrino, “Ameno Ácido”.
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