2017, um ano de perdas para o mundo do samba caxiense – mas quase ninguém soube
2017 já foi um ano difícil em vários aspectos em se tratando de Cultura de um modo geral, mas o samba em Caxias teve um ano de perdas tristes e isso talvez não tenha merecido virar notícia em lugar nenhum – daí o registro aqui.
Logo em janeiro perdemos o Seu Dagoberto, integrante da Velha Guarda da Grande Rio e um dos últimos remanescentes da lendária escola Cartolinhas de Caxias. Morador da Pauliceia, no dia primeiro, pós-virada, desci pra comprar umas geladas no bar do Zelão, ao lado de sua casa, e esbarrei com ele sentado numa cadeira de praia, na calçada, de boa, com aquele seu jeito tranquilex de ser. Trocamos uma ideia rápida, falei que voltaria pra tirar umas fotos e gravar umas histórias com ele e me despedi sem nuncajamais imaginar que poucas semanas depois ele partiria. Da escola dita oficial da cidade, nenhuma nota.
(Aliás, sobre a Velha Guarda da Grande Rio vale um texto só sobre isso em outro momento. Depois da partida do Mestre Ica, no passado, ficou nítido que esse setor na escola é ao que tudo indica apenas uma ala sem muita importância. Queria sinceramente estar enganado).
Falando em Grande Rio, Márcio das Camisas morreu em um acidente em casa, daquelas coisas estúpidas que dá uma tristeza ainda maior em saber e ver como a vida é frágil. Moleque novo, gente boa, talentoso, Márcio chegou a ganhar alguns sambas na Escola e também era muito querido por todos que o conheciam. É outro que me tratava com grande consideração e levarei sua lembrança na mente com carinho.
Em junho, faleceu o Ronald, figura queridíssima nos sambas na cidade e nos subúrbios do Rio. Engraçado que por causa do facebook ficamos sabendo que seu nome era Ronalt, com t, Ronalt Germano. Não fiquei sabendo da causa mortis, mas deve ter sido algo repentino porque uma semana antes havia esbarradado com ele num samba que Elvis Marlon estava comandando no Bar do Paulinho, na Vila São Luis, e ele parecia estar de boa, cortês e solícito como sempre. Após sua tradicional canja, troquei uma ideia com ele, o apresentei à galera que estava comigo e nada indicava que o perderíamos alguns dias depois disso. Também não teve notícia sobre o ocorrido mas a galera do projeto Samba Que eu Gosto fez uma linda e emocionante homenagem ao amigo alguns dias após seu falecimento.
Por fim, agora no final do ano foi-se o Seu Piedade, figura lendária do samba, verdadeiro mestre dos mestres nas artes da malandragem e do bem viver. Passou bem pela vida, sem dúvidas. Estava com uns 84 pelos meus cálculos e ainda podia ser visto circulando pelo centro da cidade, de vez em quando tomando uma cervejinha, sozinho ou com sua namorada, o chapeuzinho marcante, o sorriso de monge e a calma de sempre.
Já pude testemunhar como Seu Piedade era respeitado em várias das grandes escolas de samba de todo o Rio, ele que foi testemunhar ocular e participativa da história do carnaval em Caxias. Aliás, uma História sensacional, deliberadamente apagada e cada vez mais inacessível…
Bom, tá aí o registro feito. Mesmo que pareça não ter muita importância, pelo menos pode servir pra alguém elevar alguma oração à memória dessas pessoas e talvez possa fazer mais gente se tocar em dar moral a uma galera que esta aí trazendo alegrias e amores em forma de música. E deem as famosas “flores em vida” como dizia a impagável dupla Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito.
E dindindin lá vai viola.
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PS: esse ano ainda teve a passagem do mestre jedi Laudir de Oliveira, que era praticamente um caxiense; Guaracy Sete Cordas, baluarte lendário da Portela; e ainda Luiz Grande e Barbeirinho do Jacarezinho, esses dois últimos, membros do sensacional Trio Calafrio, grupo que não é de Caxias mas que é como se fosse, porque sua poética traz a alma do povo impressa com genialidade – poética que habita essa cidade, mesmo que ignorada.