O carro havia quebrado na Itatiaia.Encostei-o, então, numa vaga, peguei minhas coisas, coloquei na mochila e parti a pé pra casa. Eram quase dez da manhã e o sol já castigava em cima do Viaduto do Centenário. Eu usava umas velhas havaianas prestes a furar, uma bermuda rasgada toda respingada de tinta e uma camisa velha que ameaçava feder. Tinha na mochila uma panela de macarrão da noite passada que seria meu almoço quando eu acordasse logo mais, um litro de caldo de cana, uma sacola de roupas sujas e um rolo de papel higiênico (desses fininhos, que furam à toa). Carregava na cintura uma pistola com pouca munição. Tinha 41 anos, muitas olheiras e pouca gente me amava. Uma mulher que aparentava minha idade me encarou como se me conhecesse:
– Tem um cigarro?
– Não fumo. O que você tem?
– Acabei de dar um teco, estou passando mal.
– Vem comigo – eu disse.
Paramos em um bar de esquina em frente ao Ana Laura. Uma espécie de chinês genérico veio nos atender, e eu pensei: “até aqui?!”.
Pedi uma água mineral e dois copos, vi um pacote de Gift e perguntei:
– Você fuma isso?
– Sim. – disse ela.
– Me dá um maço desse cigarro e uma caixa de fósforos. – pedi.
Retirei a garrafa de caldo de cana da mochila e servi a gente. Ela bebeu de uma golada só e eu enchi de novo seu copo enquanto ela tentava acender o cigarro, mas tremia muito. Tomei o fósforo de sua mão, pedi pra que ficasse parada e acendi. Ninguém falava nada. Ficamos ali imóveis em silêncio, talvez pensando em nossas vidas até agora, enquanto eu a observava consumindo ferozmente o cigarro. Dois completos desconhecidos juntos naquela manhã de domingo, e ninguém a fim de papo. Quando os copos esvaziaram ela pediu um abraço – era nossa despedida – e partimos em nossas trajetórias opostas.
Eu tinha 41 anos, algumas olheiras, muitos problemas e pouca gente me amava.

 

Ricardo Villa Verde


Ricardo Villa Verde

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