Era um multiempresário, à frente de um conglomerado de empresas, extremamente rico. Até ali, levara a vida envolto em falcatruas, aplicando golpes e sonegando impostos, como fazem geralmente os seus iguais. E como os seus iguais, era um fascistóide, racista, machista, homófobo… Por seu juízo, os pobres são vagabundos que não querem trabalhar duro, como ele trabalhava. Preto, em princípio, é bandido e bandido só presta morto. Mulher? Tudo puta, que ele comprava com seu dinheiro, assim como comprava seus carrões, jatinhos, iates, mansões, terras e terras. Homossexualidade é falta de vergonha na cara, coisa que uma boa sessão de porradas pode muito bem dar jeito.

Num fim de tarde, chegou com seus jagunços ao escritório central, no topo de uma das torres de um prédio empresarial, e recebeu das mãos da secretária um envelope, contendo uma carta que seu filho, adolescente de 16 anos, havia deixado com ela mais cedo. Entrou sozinho no gabinete, e, como não tinha tempo a perder, sentou-se e pôs-se a examinar papéis, a revirar pastas, gavetas e envelopes, a fim de se atualizar quanto aos lucros de seus negócios. Já na hora de ir embora, reviu a carta do filho, jogada sobre a mesa. Só então – aproveitando a ausência de terceiros, o que era raro em sua sala – resolveu ler o que o filho havia escrito.

“Pai, estou fugindo de casa com o meu namorado, o Tiãozinho, filho do Tião do Tantã, do Morro da Providência. Mas como eu e o Tiãozinho não temos fonte de renda, consegui com um hacker amigo meu transferir pra minha conta R$ 300 mil de uma das suas, pra que possamos sobreviver por algum tempo. Pai, não fique triste ou preocupado, porque eu e o Tiãozinho nos amamos muito, e tenho certeza de que seremos muito felizes. Um beijo.
Seu filho”.

O mundo desabou sobre ele. Seu filho, seu único filho, criado com todo o mimo, com todo o luxo que um filho de milionário poderia ter. Em quem depositava muitas esperanças de fazê-lo sucessor à frente de suas empresas, seguindo o caminho do bem, como ele sempre ensinou. Um viado. Um estelionatário, roubando seu dinheiro pra gastar com um crioulo, filho de um negro vagabundo, favelado. Tão desesperado estava, que leu e releu o texto várias vezes, tentando descobrir nas entrelinhas um engano, uma coisa qualquer que minimizasse a crueza da realidade, exposta naquela folha de papel. Só lá pela quinta ou sexta lida, percebeu que sob a assinatura do menino havia um PS.

“Pai, tudo o que relatei acima é mentira. Eu não fugi de casa, não sou gay nem roubei seu dinheiro. Só inventei essa história a fim de que você entenda, que existem coisas bem piores do que ter um filho gay, fujão e, até, estelionatário. Quer um exemplo? O meu boletim do colégio, que vou lhe mostrar logo mais”.

Eldemar de Souza, em Um Bacurau Voando no Crepúsculo.


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