Acabo de ler nas minhas lembranças facebookianas, que hoje (13/08/2016) faz cinco anos que Zezé Motta fez um show em Caxias. Foi no Teatro Sesi, como parte de uma série de apresentações idealizada por Fábio Santini, diretor da casa, que consistia em levar à cidade nomes ilustres da nossa música, sob a direção de Haroldo Costa.

Por ali passaram artistas consagrados, de Ângela Maria a Dicró. Haroldo Costa – profundo conhecedor da História da MPB – dividia o palco, pontuando o show com “causos” e perguntas sobre a carreira da cantora ou cantor que se apresentava.

Num desses shows a estrela foi Zezé Motta. Ela cantou e contou várias passagens de sua trajetória artística, sem omitir as muitas humilhações que sofreu por ser preta, a despeito de seu grande talento de cantora e atriz.

A série de espetáculos, infelizmente, acabou, após cerca de um ano de absoluto sucesso. Mas do show da Zezé, em específico, guardo uma lembrança que não ficou registrada no Facebook – pelo menos até agora, enquanto escrevo.

É que eu sou vidrado em Eduardo Souto (1882-1942). Pianista, compositor e maestro Souto foi um dos primeiros músicos brasileiros a gravar discos, no início do século passado. De sua autoria são algumas obras primas, a exemplo de Despertar da Montanha, As Quatro Estações e o maxixe Puladinho, todas incluídas no LP que a pianista Clara Sverner gravou, por ocasião do centenário do artista (1982), contendo o melhor de sua obra.

Ao ouvir Puladinho na interpretação de Clara, fiquei tão impressionado que resolvi escrever uma letra pro maxixe. Não é conversa fiada, mas, depois da letra pronta, a única pessoa em quem pensei para interpretá-la foi Zezé Motta.

Mas, como diz o historiador Rogério Torres, “o tempo passa, o tempo todo e em todos os tempos”. E enquanto isso, nada de eu encontrar Zezé pra lhe falar da minha parceria com Eduardo Souto. Mas nem por isso a obra permaneceu desconhecida, pois foi incluída no repertório de um show memorável, que a cantora Mira Palheta realizou em longa temporada (Rio e Porto Alegre), com o maestro Paulo Romário, nos anos 1986/87.

Quando soube que Zezé Motta iria cantar em Caxias, achei que seria aquela a oportunidade. Como já tinha a obra cantada gravada em CD, tirei uma cópia, digitei a letra, pus tudo num envelope e, no dia do show, entreguei às mãos da cantora em seu camarim. Ela foi muito receptiva. Disse que ouviria “com amor e carinho”, e propôs que trocássemos números dos nossos celulares, para um futuro contato em seguida. Assim foi feito.

Passados quase três meses, Zezé Motta não meu deu retorno. Quando decidi ligar, ela me deu foi um esporro em regra.

– Porra! Isto é hora pra você me ligar? – disse, em tom agressivo.

Respondi que faltavam apenas dez para as nove da noite.

– Você já estava dormindo?

– Não, mas estou num jantar de família.

Pra não cair do salto, repliquei.

– Desculpe, mas eu não tinha como adivinhar que você estava jantando. Só que não precisava dar esporro. Poderia ter dito isto, de uma forma mais delicada. Eu até ligaria em outra hora.

– Eu já lhe disse que estou muito ocupada agora.

Se mais disse, eu não ouvi. Desliguei o telefone, em seguida.

Nunca mais nos vimos nem nos falamos. Posso até acreditar que, talvez, eu tenha ligado no momento em que a cantora não estivesse no melhor do seu estado de ânimo. Afinal, quem me garante que ela estivesse curtindo aquele jantar em família? Eu poderia ter me decepcionado, com uma artista que já sofreu humilhações e que trata grosseiramente uma pessoa a quem conhece pouco. Porém, já passei da idade de me decepcionar com pessoas. A música (com letra) continua inédita em disco e, quem sabe, poderá ainda ser gravada por ela. É só Zezé Motta confirmar que não pulou o Puladinho de sua história musical.

Lamentavelmente, não encontrei no YouTube a gravação de Puladinho por Clara Sverner, mas estou postando um registro (parcial) da pianista Eudóxia de Barros, junto com a letra, para a apreciação do distinto leitorado.

 

PULADINHO

(Eduardo Souto e Eldemar de Souza)

Você me convidou para
Dançar de novo esse maxixe
Você me convidou para
Dançar de novo o Puladinhho
Tomou minha mão
Não pude resistir
Eu na verdade até queria
Ficar a noite inteira
No salão entre seus braços
Até meu coração descompassou
Quando dançava o Puladinho

Quando o salão escureceu
Ficamos ainda mais juntinhos
E os casais
Paravam de dançar
Admirados, aplaudiam
Ficavam sem saber se
Era sonho ou se nos viam
Dançando com prazer com todo o amor
Que há dentro do Puladinho

Que dança é essa? Quanta alegria
Que me transporta por aí
Que me distrai
Até a alma me alivia
Eu lhe confesso extasiada
De prazer que quero mais
Só pra saber
Que dança é essa, que me arrepia
Me desarvora, faz feliz
Que bem me faz.
E quem decerto resistiria
A essa coisa enlouquecida
Ao mesmo tempo tanta paz?
(solo de piano)

Que dança é essa, que me vicia
E me faz falta quando
Eu paro de dançar
E que completa meu dia a dia
E faz você que é todo o encanto
Desse mundo ser meu par?.


1 thought on “O puladinho que Zezé talvez não tenha pulado

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