Mestre Azulão
Mestre Azulão
“Na terra de Azulão não chove no mês de maio/O povo de lá só vive de fazer cesto e balaio”.
Os versos acima são do poeta José João dos Santos, que entrou para a história da literatura popular com o nome artístico de Mestre Azulão. Nascido na cidade de Sapé (PB), em 1932, veio para o Rio de Janeiro aos 16 anos, onde trabalhou na construção civil e, posteriormente, foi porteiro de edifício. Já na década de 50 começou a ser tornar conhecido por sua habilidade em fazer versos, improvisos e cantorias. Foi um dos fundadores da Feira de São Cristóvão e morreu em Nova Iguaçu (2016), ostentando o título de Príncipe do Cordel.
Conheci Azulão, quando eu ainda era aspirante a poeta, e ele já era poeta consagrado na literatura de cordel. Vendia seus livros no trem, recitando-os de cor, e quando eu tinha algum dinheiro comprava um exemplar. Só nos tornamos chegados, no início dos anos 80, durante a transição da ditadura para a democracia.
A galera do PDT/Caxias estava empenhada na organização dos primeiros comícios pelas Diretas-já, na Baixada Fluminense. Num sábado, pela manhã, rumamos pra Nova Iguaçu, onde teríamos um encontro com outros companheiros, no velho Teatro Arcádia. Em meio aos trabalhos, alguém chegou com a notícia de que Azulão havia sido preso há poucos minutos.
Suspendemos temporariamente a reunião e fomos à delegacia. Fomos numa caravana, com mais ou menos dez pessoas, entre a quais se achavam Wilson Reis (que faria 98 anos hoje – 01/07), Alberto Cantalice, eu e o saudoso Mãezinha (Waldemar das Chagas), velho repórter setorista do Globo, em São João de Meriti.
O delegado nos recebeu muito bem e relatou o que havia acontecido. Segundo ele, Azulão estava vendendo seus livros na Praça da Liberdade, Centro de Nova Iguaçu, quando chegaram os rapas, levando tudo da camelotagem e decididos a levar, também, os seus livros. O poeta se recusou a entregá-los, gerando um mal estar entre ele e os caras. O bate-boca que se formou, atraiu a atenção da polícia, que veio conferir os fatos.
Os rapas contaram sua versão e Azulão contou a dele. Mas quando “os homi” perguntaram por sua licença pra negociar o “produto” e ele não tinha, ficaram do lado dos agentes da prefeitura. Vendo-se injustiçado, o poeta fez um puta discurso anti-repressão, que levou a polícia a dar-lhe voz de prisão, por “desacato à autoridade”.
O delegado acrescentou que Azulão não estava recolhido ao xadrez, mas numa sala próxima ao seu gabinete, “só pra ele ficar mais calmo e dar tempo dos policiais se distanciarem da delegacia” – explicou. Ato seguinte, mandou que trouxessem o nosso amigo, para que fosse embora conosco. Mesmo ainda muito puto com aquela situação, Azulão nos fez rir, quando apareceu, dizendo:
– Que coisa mais absurda. A gente falando de democracia, eu acabo de ser preso na Praça da Liberdade.
Eldemar de Souza, em Um Bacurau Voando no Crepúsculo.

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