Um dos principais efeitos nocivos da mídia corporativa brasileira, essa aí hegemônica, venal, a serviço do mercado financeiro, foi ter ajudado a criar um processo sinistro de naturalização de tantos absurdos diários. Se na população esse efeito foi de um anestesiamento, uma resignação crônica, na categoria profissional do jornalismo o que se firmou foi um misto de covardia, de medo dos patrões e de cooptação também. Muitos motivos pra corroborar isso.

Exemplos tem aos borbotões, mas por acaso me lembrei hoje da famigerada entrevista de umas semanas atrás, no programa Roda Viva, da TV Cultura, com esse filé de desgraça chamada roberto campos neto. No dia não vi por não ter vontade mesmo e não ter nem estômago apropriado pra isso. Mas fui instado depois a assistir a um trecho grande onde o sujeito relata que estava num restaurante e é abordado por uma criança, UMA CRIANÇA, vendendo um “produtinho”, e ele entabula uma conversa no meio dessa situação. Segundo relata, ele pergunta à criança se a criação do pix ajudou na vida dela. E que a resposta foi afirmativa: sim, o pix a tinha “ajudado” muito. Inacreditável. Porra… Muita coisa aqui… Um mix de sentimentos, principalmente de raiva mesmo.

Chocante não ter uma única alma ali naquela bancada pra questionar esse relato absurdo, saído da boca de um presidente do Banco Central do Brasil; e além disso, ainda fica uma questão pra se refletir a sério.

Pense: essa história tem tudo pra ser uma mentira (e aliás, mentira faz parte do ethos do indivíduo bolsonarista). É muito, muito difícil imaginar um janota, um playboy arrombado desses, comendo em algum restaurante caríssimo, dirigir a palavra, trocar alguma ideia, do alto de sua arrogância, com uma pessoa numa situação dessas, ainda mais uma criança. Tirando o contexto de época de campanha eleitoral, esse tipo de interação por parte de um almofadinha desses é praticamente impossível.

Mas isso não é pior… Pior é você ouvir uma autoridade fazer relato desses, em um programa de cadeia nacional e não se chocar. Não pensar que criança não tem que estar vendendo produtinho nenhuma na rua, certamente em uma situação de vulnerabilidade crítica. Meu Deus, que falta faz um jornalismo de verdade. Ou, no mínimo, vergonha na cara e entendimento sobre o país. Depois desse relato, dito em tom quase descontraído, nenhuma contextualização sobre nada, Educação, miséria, infância, precarização, crise econômica, juros assassinos de país.

E aí ainda tem o fato de que não dá pra falar desse sujeito sem citar o avô, Roberto Campos, o Bob Field, figura central para o projeto econômico da ditadura militar. E que foi muito sacaneado, zoado, satirizado por grandes artistas do campo democrático brasileiro em plena ditadura (e que pode ser que o neto tente se vingar de um governo popular por causa disso, vai saber). Vovô Robertão era um nefasto, mas não dá pra negar que era um cara que tinha ideias e sabia as defender com inteligência. Confesso que eu cheguei até a ler seu livro Lanterna na Popa, uma leitura muito boa, por sinal, e voltemeia lia uma ou outra coluna dele no jornal O Globo. Penso diametralmente oposto ao sujeito, mas é inegável que o cara tinha talento, tinha um certo humor até, daqueles adversários bons de debater, que forçam sempre o sarrafo ser alto nas discussões. Que o capiroto o tenha em um bom lugar, quentinho e sulfuroso.

Parêntesis importante: nos últimos anos deu até saudade desse tipo de direita, se comparada com essa selvageria terraplanista, idiota e violenta dos anos bolsonarentos. Fecha parêntesis.

Bom, por fim o que fica pra mim são essas duas coisas: uma que, se dependesse dos grandes meios de comunicação nacionais, estaríamos ainda mais ferrados, desamparados sem um mínimo de jornalismo decente pra nos ajudar. E a outra coisa é a constatação de que um cerumano como esse bob field neto aí é simplesmente um produto bem acabado, um produtinho de merda, exemplar, dessas nossas elites financeiras que odeiam o povo e são um entrave para o desenvolvimento do país.

[ @heraldohb – pitacolândia – junho de 23 ]


heraldo hb

. Animador cultural, escritor e produtor audiovisual nascido no século XX. .

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