Professores de Duque de Caxias pagam a conta do golpe das elites

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Chegamos ao dia 28 do mês de setembro e parte dos professores da rede municipal de Duque de Caxias ainda não recebeu o salário de agosto. Sim, setembro está acabando e a maioria dos profissionais da educação no município ainda não receberam seu salário.
Não exigimos nada de mais, tão somente que sejamos pagos o serviço que entreguemos, não sem muito esforço. Vale lembrar que em junho houve desconto de 28 dias de greve e que o pagamento dos salários de julho só foi finalizado dia 15 de setembro. Daí vem o esforço, afinal, muitos foram trabalhar sem recursos, dificultando ainda mais o exercício do magistério em Duque de Caxias onde convive-se com falta de papel higiênico, de ar-condicionado, de pincéis para quadro, de material para impressão e cópia. Por outro lado, lida-se com goteiras, tetos que caem (literalmente) e falta de pavimentação em vários pontos da cidade, fazendo do translado casa-trabalho-casa uma verdadeira aventura. As ruas de terra estão secas devido à estiagem, quando chegarem as chuvas de verão, elas viram lodaçais.
Mas como a cidade que possui o terceiro maior orçamento do segundo estado mais rico de uma das dez maiores economias do mundo passa por isso? Essa é uma pergunta que sempre faço aos meus alunos. Explico que é isso que tentaremos descobrir ao longo do curso. Está aí um dos motivos para se acabar com a educação pública em nosso país: os filhos da classe trabalhadora têm que continuar sem acesso à educação de modo a não questionar a ordem e assim reproduzir um sistema que só os torna mais explorados, geração após geração.

É imprescindível compreender alguns mecanismos do golpe de Estado que vivemos para compreendermos como a 22ª economia do país chegou a esse nível.
Desde 2014, vivemos uma crise forjada pelo grande capital. Assim como aconteceu no Chile (1973) nos meses que antecederam o golpe que funda o neoliberalismo, nosso país foi vítima de um lockout. Para quem não acredita, vejamos uma matéria da insuspeita Exame, prima da Veja.
“Se Dilma ganhar a eleição, eu vou imediatamente reduzir meu plano de investimentos para os próximos quatro anos”, diz o presidente de uma das 500 maiores empresas do Brasil. “Se a oposição vencer, eu volto a investir no dia seguinte.”

E as semelhanças com o Chile não param por aí. A agenda neoliberal é impalatável. Não por acaso sua primeira experiência foi a sangrenta ditadura de Pinochet. Em verdade, todas as vezes que o neoliberalismo foi implementado democraticamente, os partidos responsáveis pelo desastre nunca mais se elegeram, vide o PSDB, que não ganha há quatro eleições.
Faz-se necessário criar uma crise porque essa é a condição perfeita para implementar e impor toda uma agenda de (contra) reformas liberalizantes, e isto tem que ser feito no menor tempo possível, de modo a não deixar que a resistência se organize. Daí a violência associada à imposição da agenda. Lembremos da repressão que as manifestações contra o desgoverno Temer em março e abril deste ano sofreram, o que rendeu inclusive nota conjunta de repúdio por parte da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) . Para não falar do aumento da tensão nas favelas fluminenses com as operações policiais e mais recentemente do Exército.

Assim como no golpe no Chile, no Brasil foi preciso criar uma crise para forçar uma mudança de regime (uma vez que o lockout não foi suficiente para ganhar a eleição) para poder assacar a presidenta eleita e colocar uma marionete do capitalismo financeiro nacional e internacional. A presidenta Dilma foi chantageada por esses setores. Diante da recessão, ela concedeu isenções e estímulos aos que não estavam investindo por uma opção política: a de sabotar o governo dela. Em contrapartida, os investimentos não ocorreram na prática. A crise só piorou e os conspiradores ficaram ainda mais ricos, enquanto toda a população era ainda mais explorada por esses setores que impuseram uma socialização das “perdas”.
A partir do golpe, a agenda neoliberal foi empurrada goela abaixo da sociedade repetindo um modus operandi. Os governos golpistas do PMDB concedem isenção fiscal a determinados setores “produtivos” (como as joalherias) e perdoam as dívidas de grandes contribuintes ao mesmo tempo que desmontam o Estado e espoliam a população. O líder golpista, o presidente de facto Michel Temer, é um Robin Wood às avessas. De um lado, o Refis, isentando de juros, taxas e multas devidas à União. Critério para aderir ao programa: dívida superior a R$ 15 milhões. De outro lado, Emenda Constitucional do fim do mundo, contrarreforma trabalhista e uma redução de 97% da verba destinada à reforma agrária (R$ 1,7 bilhão em 2015 contra R$ 65 milhões em 2018).
Voltando à realidade de Duque de Caxias, o prefeito Washington Reis – o que brigou para ser o primeiro a votar pelo golpe e que interrompeu a campanha à prefeitura para votar pela PEC do fim do mundo – usa o discurso da crise para apertar o torniquete no funcionalismo público. Pagamentos escalonados, atrasados, confiscados ilegalmente, parcelados. Essa é a realidade com a qual convivemos hoje. É a dimensão municipal do golpe de Estado.

Há os que compram o discurso de crise, contudo a crise é uma falácia. Vejamos. Para não falar do pacote de isenções que o prefeito apresentou junto ao pacote que desmontou o plano de carreiras do magistério, está no sítio da prefeitura uma chamada para a anistia fiscal. A prefeitura está dispensando 100% de multas e juros de IPTU e ISS e o principal da dívida ainda pode ser pago em até 36 vezes (quem aderir hoje só termina de pagar na próxima eleição para prefeito). Para não sermos levianos, temos que reconhecer que isso poderia ser uma medida anticíclica e justa, se não fosse a realidade brasileira. Uma pessoa pobre que deva IPTU não conseguirá honrar a parcela mínima de R$ 70,00 no quadro recessivo em que nos encontramos. Os pobres que pagam IPTU representam parcela ínfima da população caxiense porque a falta de uma política habitacional no município faz com que os pobres morem em favelas. Ou seja, é uma medida para os extratos médio e alto da sociedade, e olhe lá. Além disso, é de se questionar se os pobres que pagam IPTU podem arcar com uma parcela que representa quase 10% do salário mínimo.

O que dizer da isenção do ISS? A mesma coisa. Poderia ser uma medida anticíclica e justa, mas não é. Quem discorda, reflita sobre algumas questões: quem são os maiores devedores impostos no Brasil? Não são as maiores empresas, como a Rede Globo, boletim oficial do golpe? Quem no Brasil tem condições de funcionar sem pagar impostos? Não seriam as grandes empresas, aquelas que podem pagar advogados que as mantêm abertas mesmo devendo aos Estado? Ou o pequeno e médio empresários não se veem diante do dilema: pagar um advogado ou os fornecedores e empregados? Não seriam as grandes empresas as que podem pagar propinas para ter benesses, como no caso da Rede Globo, que pagou para uma funcionária da Receita Federal dar sumiço em um processo?

Então outra pergunta surge: como a prefeitura pode dizer que não tem recursos para pagar os funcionários se está abrindo mão de 100% das multas de duas de suas principais fontes de receita? Não poderia. O que o prefeito está fazendo é aumentar a concentração de renda no município sucateando os serviços públicos e perdoando dívidas de grandes contribuintes.
Isso atende triplamente a um dos objetivos do golpe: aumentar a exploração da classe trabalhadora. Primeiro, impõe perdas salariais e depreciação do padrão de vida dos servidores, além debilitar-lhes a saúde. Além disso, os setores minimamente remediados vão procurar serviços particulares, comprometendo assim a renda com algo que o Estado deveria oferecer. Dessa forma, parcela maior do orçamento irá para educação e saúde privadas (aumentando o lucro dos capitalistas), reduzindo a parte do salário que poderia estar empenhado em cursos de aperfeiçoamento, aquisição de casa própria ou lazer. Por fim, mas não menos importante, com menos educação e saúde, os trabalhadores e seus filhos têm menos condições de identificar os mecanismos que perpetuam sua condição de subsistência, logo não podem alterar o sistema que os mantêm nessa situação.

Cada vez mais, o que nós da esquerda dizíamos se mostra irrefutável: o golpe não era contra a presidenta Dilma ou contra o PT, era contra o Brasil e o seu povo. O que vivemos em Duque de Caxias comprova isso.

* Mateus Mendes de Souza é bacharel em Geografia e professor da Rede Municipal de Duque de Caxias.

Mateus Mendes de Souza Lurdinha Duque de Caxias Educação


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