A população que vive no município com um PIB em torno de R$ 20 bilhões,

precisa ter direito à cidade.

E o direito à cidade é mais do que um habitat, é o direito a habitar.

O habitat liga-se à morfologia urbana, mas o habitar é uma atividade.

Habitar é apropriar-se de algo, o que é bastante diferente de tê-lo como propriedade.

Significa fazer do espaço sua obra, modelá-lo, apropriar-se dele”.

Álvaro Ferreira

O apagão, infelizmente, não é só no setor elétrico. Uma história de desmatamento, assistencialismo, clientelismo e de marginais que chegam ao poder. Somam-se a isso décadas de ausência de políticas públicas em planejamento urbano, habitação popular e meio ambiente são as principais causas das recorrentes enchentes que, todo ano, sofre a Baixada Fluminense.

Não dá mais para ouvir setores da imprensa e governos culparem o clima e a população que mora à beira de rios como agentes de suas tragédias. É sabido que a Baixada Fluminense, como o próprio nome diz, é uma região que tem boa parte de suas terras abaixo do nível do mar e recebe as águas que escoam da Região Serrana, além de, naturalmente, as margens de seus rios sofrerem constantes erosões e inundações.

Não dá mais para ver governos e sociedade tratarem os desabrigados de forma precária em escolas ou galpões, com cestas básicas, roupas usadas e, assim que o noticiário conseguir a próxima desgraça que atraia seus vorazes consumidores, estas pessoas montarão novos barracos em áreas tão degradadas ou pior que a anterior, liderados por algum futuro vereador da cidade.

As políticas de pavimentação eleitoreira (capeamento asfáltico) de ruas e avenidas também contribuem para a diminuição do escoamento das águas, enchentes, desabamentos e elevação das temperaturas médias. Além de necessitar de um constante e custoso reparo pela sua rápida degradação e não realizar o fundamental: saneamento básico. Duque de Caxias, por exemplo, está entre as 15 piores cidades do Brasil em fornecimento de água tratada, onde menos de 80% da população tem acesso a este precioso bem e entre as 7 piores em tratamento do esgoto, com índice de tratamento igual a ZERO. Com esses índices, Caxias tem o segundo pior saneamento básico do Brasil. (Fonte: SNIS – SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOBRE SANEAMENTO – Ranking 2009)

Enchentes na Baixada, apagão de vida - por Fabio Pereira

Enchentes na Baixada, apagão de vida

 “um dos principais problemas que afligem a população do município de Duque de Caxias (RJ) é o saneamento básico. Tal ação pressupõe o tratamento e abastecimento da água, assim como o da rede de esgoto. Verifica-se que, em muitos casos, as redes de abastecimento de água e o tratamento de esgotos são montadas, mas não chegam às residências, causando transtornos diversos à população. (…) Portanto, ter acesso à água é um direito de todos pelos motivos mais do que conhecidos (sobrevivência do homem), mas quando não tratada e não distribuída (e muitas vezes cobrada) esta se constitui em um vetor de transmissão de doenças e de problemas políticos locais, como ocorre na Baixada Fluminense, uma das regiões mais afetadas, no território fluminense, por doenças infectocontagiosas que causam altas taxas de mortalidade”. A GESTÃO MUNICIPAL DA SAÚDE PÚBLICA EM DUQUE DE CAXIAS (RJ): SUSTENTABILIDADES E IMPACTOS SOCIOESPACIAIS DA DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA Rosana Cristine Machado de Oliveira (Fonte: http://www.nima.puc-rio.br/noticias/livro_educacao_ambiental_duque_de_caxias.pdf)

A dependência quase que exclusiva de uma única forma de transporte de massas, o rodoviário, amplia o problema da mobilidade urbana nos períodos de forte chuva. Pensar em alternativas de transportes de massas – sobre trilhos e hidrovias – associado a uma radical política de criação de ciclovias e ciclofaixas, é socialmente urgente e ambientalmente necessário.

Já passou da hora de pensarmos planejamento e desenvolvimento urbano com seriedade, no curto, médio e longo prazo e em associação com as dinâmicas ambientais particulares de nossa região. Essa lacuna de planejamento dificulta o diagnóstico do déficit habitacional na região a partir de um estudo da estrutura geológica dos solos. É insignificante, à luz da necessidade, a aplicação de recursos municipais, estadual e federal com programas de habitação popular e sustentável.

o uso do espaço tanto para moradias como para atividades produtivas ocorreu sem levar em consideração a necessária preservação dos elementos naturais, evidenciando suas consequências na qualidade de vida da população. A sociedade e o ambiente natural sofrem por usos do espaço, como as indústrias, que descarregam no solo ou no ar seus resíduos, acentuando a degradação e aumentando os riscos para a vida. Além do desmatamento, deterioração dos recursos hídricos e ocupação em terrenos insalubres, esse ordenamento territorial não foi acompanhado por infraestrutura e medidas de saneamento. (…) são expressivos os problemas enfrentados pela população em relação ao acesso à água potável, ao esgotamento sanitário e à coleta diária do lixo”. Regina Célia de Mattos, “Educação Ambiental: por que e para quê?”, pág. 90, artigo publicado na publicação: “Educação Ambiental: Formação de valores ético-ambientais para o exercício da cidadania no município de DUQUE CAXIAS, 2009, NIMA Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente, PUC-RJ.” (Fonte: http://www.nima.puc-rio.br/noticias/livro_educacao_ambiental_duque_de_caxias.pdf)

Soma-se a isso a falta de uma política integrada da região – e dentro dos próprios municípios – de cuidado com a restauração e preservação das matas ciliares nas margens dos principais rios da Baixada. É necessário um mapeamento das áreas de enchentes para estudá-las, perceber as especificidades geradoras de cada local para buscar soluções. Os paliativos genéricos e questionáveis da engenharia não dão conta de entender a multiplicidade dos fenômenos naturais. A imediata criação – tanto pelo estado, quanto pelos municípios da Baixada – de órgãos de monitoramento das encostas e das margens de rios é urgente. Dizer em programa eleitoral que fará obras de macrodrenagem nos rios A, B e C, pode até dar votos, mas não resolve o problema. A preservação do meio ambiente não somente diminuiria – e muito! – as consequências das chuvas, mas reduziria os investimentos em programas de despoluição e geraria maior qualidade de vida para a população do entorno. Quer saber o efetivo compromisso das prefeituras com as questões ambientais? Comece pelo orçamento das secretarias municipais de meio ambiente. Perceberá que a pasta, infelizmente, é muito mais de retórica, produtora de eventos, fatos e acomodação política do que para pensar políticas públicas e executá-las.

É preciso que governos e a população tenham verdadeiro arrependimento: não dá mais para construirmos cidades que ceifam vidas, destroem a natureza, tratam a cultura com migalhas do orçamento, cada vez mais pioram seus serviços de saúde, educação, transporte e segurança pública. E mascaram esta realidade com asfalto, tintas, obras de praças e retoques milionários nos centros urbanos, enquanto que passamos indiferentes pelos meninos e meninas nos sinais, que clamam por vida – e vida com dignidade, justiça e paz.

*Fabio Pereira é professor de geografia, fotógrafo, educador popular e palestrante.

Foi líder estudantil quando os estudantes conquistaram o passe livre em Duque de Caxias, é professor voluntário no PVNC – Pré-Vestibular para Negros e Carentes.

Também é membro fundador da Associação de Amigos do Instituto Histórico de Duque de Caxias.

fabiopereira@irmaos.com www.fabiopereira.wordpress.com


Fabio Pereira

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